sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Contrato com a América’’ encerra ciclo do New Deal

Newt Gingricht, o controvertido presidente da Câmara de Deputados, personifica a maré conservadora que avança sobre as instituições americanas. A viragem começou há um ano, quando as eleições parlamentares encerraram-se com uma derrota fragorosa do presidente Bill Clinton e do Partido Democrata. Uma legião de republicanos tomou de assalto as duas casas do Capitólio, brandindo uma plataforma política ultra-liberal e neo-isolacionista: o ‘‘Contrato com a América’’. O sonho americano é o alvo visado pela nova maioria que manda no Congresso.
O sonho americano nasceu com o New Deal, de Franklin Roosevelt, no ambiente depressivo dos anos 30. A quebra da Bolsa de Nova Iorque tinha encerrado, com um golpe fulminante, a farra liberal e elitista dos loucos anos 20. O programa de recuperação de Roosevelt representava a inversão dos dogmas tradicionais. O Estado ingressava na arena econômica investindo em obras públicas, gerando empregos, redistribuindo a riqueza. As novas idéias intervencionistas evoluíram, nas décadas de prosperidade do pós-guerra, na direção do Welfare State: o Estado previdenciário, provedor de saúde e educação, aposentadoria e pensões, programas de renda e combate à pobreza. Ser americano era, quase certamente, ser de classe média. Carro e casa própria, supermercados e fast-food, cinema e apple pie.
O New Deal foi a plataforma social sobre a qual se ergueu uma ampla coalizão política que reuniu a classe média urbana, os sindicatos, os agricultores do sul, os movimentos negros. O eixo da coalizão era o novo Partido Democrata, liberto do estigma de agrupamento de fazendeiros escravistas e nostálgicos do sul aristocrático. Nos anos 60, a coalizão democrata retomou impulso através do programa da Grande Sociedade, de Lyndon Johnson, que suprimiu a discriminação legal contra os negros e abriu caminho para a difusão dos programas sociais de combate à pobreza.
O ciclo da grande coalizão do New Deal começou a se esgotar com a eleição de Ronald Reagan, em 1980. Nessa época, impostos e programas sociais sofreram a primeira ofensiva republicana. A reconcentração da renda e a redução dos salários dos trabalhadores menos qualificados refletiram-se no salto dos patamares de pobreza, que ultrapassaram os 10% da população empregada. A eleição de Clinton, em 1992, após doze anos de administrações republicanas, foi saudada como o reencontro da América com o New Deal. Ilusão: o assalto às cadeiras do Capitólio pelas hordas de Gingricht revela que a Clinton parece estar reservada a função de presidir o naufrágio.
O ‘‘Contrato com a América’’ retoma e amplifica o programa liberal de Reagan. Entretanto, ironicamente, o espantalho que legitima a nova plataforma ultra-liberal foi criada precisamente no reinado do velho Ronald: o gigantesco déficit orçamentário do governo, cavado pela redução dos impostos cobrados dos ricos. Contra a montanha de despesas sem receitas que se acumula todos os anos às portas do Tesouro, a nova maioria promete cortes impiedosos de gastos sociais. A meta, ambiciosa, consiste em promover o equilíbrio do orçamento até 2002. Sem novos impostos.
A ofensiva do equilíbrio orçamentário, ainda que dirigida contra virtualmente todos os gastos sociais públicos, atinge em cheio os programas federais de saúde para os idosos (Medicare) e os pobres (Medicaid). Os cortes elevam-se a várias centenas de bilhões de dólares, distribuídos ao longo dos próximos sete anos. Os programas de garantia de renda mínima e integração social de populações marginalizadas parecem fadados à extinção pura e simples. Os centuriões do orçamento equilibrado marcham sobre um chão social cada vez mais instável: antes da longa tesoura do Capitólio entrar em funcionamento, os índices de pobreza já atingiram níveis recordistas, aproximando-se da marca de 12% dos empregados.
No ano que vem, os americanos voltam às urnas para as presidenciais. Se a maioria republicana que manda no Capitólio conseguir, como se espera, tomar a Casa Branca, a reviravolta terá se completado. O sonho americano será então um capítulo encerrado na história da nação.
Boletim Mundo A 3 n° 5

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