domingo, 23 de janeiro de 2011

Questão de Identidade- Brasil, mostra a tua cara !

“Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser pintora da minha terra (…) Não pensem que essa tendência brasileira na arte é mal vista aqui. Ao contrário. O que se quer aqui é que cada um traga contribuição de seu país.Paris está farta de arte parisiense”
(Tarsila do Amaral, em carta a Mário de Andrade, abril de 1923)
Existe, de fato, uma “arte brasileira”, ou seria mais apropriado falarmos em arte produzida no Brasil? No primeiro caso, partimos do pressuposto de uma arte unida por traços culturais, por uma noção comum de identidade nacional; no segundo, de uma arte produzida em determinado espaço, mas que não revela nada de comum em relação a ele (o resultado da obra seria o mesmo em qualquer outro lugar).
Para a questão ficar mais clara, usamos como exemplo dois heróis nacionais, um fictício e outro real: Macunaíma e Ayrton Senna. O personagem de Mário de Andrade, talvez o mais autêntico de nossos heróis, simboliza aqui a arte brasileira, dada a força da identidade nacional que evoca: a natureza, a língua, a formação étnica complexa, a preguiça tropical. O piloto de fórmula 1, talvez o mais europeu dos nossos heróis, é metáfora da arte feita no Brasil: velocidade, tecnologia, ambição, trabalho deles. O “herói sem nenhum caráter” é nosso irmão gêmeo, jamais nasceria em outro lugar. O tricampeão é brasileiro por acaso. Poderia tranqüilamente empunhar outra bandeirinha.
Macunaíma não existiria sem o Brasil.
Senna continuaria excepcional sem ele.
Imagine-se o problema que seria tirar de Jorge Amado o cacau, Gabriela, o acarajé, o pelourinho – não viveria! Seu porto seguro para a criação é a Bahia de todos os santos. Já Paulo Coelho faz, com muito favor, literatura no Brasil. Seus magos, alquimista e Valquírias poderão fazer bruxarias em Holywood ou na China.
No caso de Amado, há um sério problema: na ânsia de criar literatura brasileira, parece mais um turista deslumbrado.
Faz caricatura dos trópicos para exportação (da maneira como escreve, tem-se a impressão de que Dona Flor é fruto que dá em qualquer árvore).
Se já é complicado falar numa arte brasileira, mais ainda é destacar uma arte genuinamente brasileira. Para alguns críticos, somente a arte primitiva poderia ser considerada como essencialmente brasileira. Pensando na música a partir dessa abordagem, somente o samba  de Noel Rosa, Ismael Silva, Geraldo Pereira, Sinhô… poderia ser considerado como essencialmente brasileiro. Na literatura, talvez apenas o cordel das feiras nordestinas.
Mas é perigoso adotar uma visão cultural purista, raciocinando como se o Brasil fosse homogeneamente Brasil. O Brasil guarda dentro de si muito mais que a si mesmo: no caldeirão de nossa história, quantos temperos não se misturam para nos formar? Somos um país subdesenvolvido, satélite do Primeiro Mundo, logo não há como negar as colonizações.
Parafraseando Oswald de Andrade, vieram para cá barquinhas carregadas de influência estrangeira. Pretender apagar as marcas da história é ser um Policarpo Quaresma, personagem xenófobo do pré-modernista Lima Barreto, nacionalista ingênuo que clama pelo retorno do Tupi, como se fosse possível voltar ao marco zero de nossa cultura.
Todos os extremos são perigosos.
Assim, é igualmente arriscado “macaquer” a cultura estrangeira, na ilusão de que a história da arte é privilégio das metrópoles. Acreditar que só o europeu é quem sabe criar pode levar o artista tupiniquim à negação da originalidade de sua cultura, ao desprezo de sua experiência. É o risco de se cair na tal arte feita no Brasil: a arte, no fundo é européia, e o Brasil, um mero contingente do acaso. Na pintura, é o caso, por exemplo, de Waldemar Cordeiro, do movimento Concreto (anos 50), que trabalha estruturas rígidas, lembrando mais a racionalidade alemã do que o nosso tem  temperamento.
Como dizem alguns “da a impressão de estar vivendo num mártir habitado por super seres de historietas em quadrinhos, não no Brasil”. Na música, temos o bossa-nova Johney Alf posando de Frank Sinatra. Na literatura, é o modernista menor João do Rio à imagem de Oscar Wilde.
A alternativa, então, é tentar encontrar a difícil zona de equilíbrio entre os extremos: uma arte que se apropria inteligentemente das técnicas e formas de expressão mais avançadas, preservando os extraordinários dotes do Brasil. É a proposta antropofágica do modernismo de 1922. É o que Tarsila do Amaral na pintura (a nossa gente com a técnica do francês Léger), Oswald e Mário de Andrade na literatura (o conteúdo é nosso, a técnica vem emprestada do cubo futurismo), Villa- Lobos e Tom Jobim na música (o último combinou o samba do morro à sofisticação do jazz).
Enquanto não soubermos quem somos e o que pretendemos, o Brasil continuará sendo uma incógnita para a Arte, como diz o crítico Rodrigo Naves, em entrevista publicada na página ao lado.
Para resolvermos o impasse, dá-lhe Cazuza: “Brasil, mostra a tua cara!”

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