Sociedade permanece alheia a decisões que podem definir o futuro de uma das mais ricas regiões do planeta
Ariovaldo Umbelino de Oliveira
A Amazônia volta às manchetes.
O assunto é o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), cujo objetivo principal é monitorar os 5,2 milhões de km2 da região. É um projeto da Secretaria de Estudos Estratégicos (SAE) e do Ministério da Aeronáutica, e integra um programa mais amplo, o Sipam -Sistema de Proteção da Amazônia.
Também os Ministérios da Justiça, Comunicações, Meio Ambiente, Marinha e Exército fazem parte. O Sivam pretende ser uma rede integrada de telecomunicações baseadas no sensoriamento remoto, que processará imagens obtidas por satélite e sensores instalados em aviões. As informações ficarão armazenadas em Brasília, e operará em conexão com centros de vigilância, em Manaus-AM, Belém-PA e Porto Velho-RO. O governo pretende controlar o tráfego aéreo e atividades ilegais -tais como o narcotráfico e contrabando-, e atos “hostis”. Além disso, pretende mapear as bacias hidrográficas, jazidas de minérios e outros recursos, e cuidar da proteção ambiental (combate ao desmatamento, queimadas e mineração ilegal. O Brasil é acusado de desmatamento de mais de 50 milhões de hectares de floresta, nos últimos 20 anos). O custo está orçado em US$ 1,4 bilhão, dos quais US$ 500 milhões seriam gastos no Brasil (aquisição de materiais e serviços).
O projeto foi concebido em 1990, no governo Collor. Em 1993, o governo Itamar Franco, alegando tratar-se de projeto sigiloso (de segurança nacional), contratou sem licitação, no final de 94, a Esca -Empresa de Automação de Sistemas-, que depois seria denunciada por fraudar a Previdência, o que por lei, a impediria de ser escolhida. A Esca é especializada em contratos de defesa com o governo, incluindo a implantação do Cindacta (rede de controle do tráfego aéreo).
Ainda alegando necessidade de sigilo, o governo Itamar dispensou licitação pública para contratar a empresa encarregada de fornecer os equipamentos.
Após um processo de consultoria junto a 16 embaixadas estrangeiras, contratou a empresa americana Raytheon (uma das maiores da área militar em seu país, fabricante dos antimísseis Patriot, usados por Israel na guerra com o Iraque).
Como decorrência de denúncias de irregularidades e de fraudes, o governo FHC ainda não assinou os contratos com as duas empresas, embora já estivesse pago à Esca mais de um milhão de reais, de um total de US$ 170 milhões.
A imprensa tem registrado os vários episódios desta trajetória. Porém, pouco tem sido o debate dos diferentes setores da sociedade sobre os objetivos do projeto. Os militares estão divididos.
Mario Cesar Flores (ex-ministro-chefe da SAE), aparece como o maior apoiador do Sivam. As Forças Armadas então levando para a Amazônia deputados da Comissão de Defesa Nacional, para convencê-los de que o Brasil corre o risco de perder a soberania sobre a região.
Segundo essa tese, o isolamento da Amazônia poderia levar à sua internacionalização.
O país já teria inclusive perdido algumas batalhas desta guerra. Como exemplos, citam a demarcação de extensas áreas de reservas indígenas, a perspectiva da internacionalização do combate ao narcotráfico na região e a presença de missões religiosas, que, na verdade seriam grupos interessados nos recursos minerais.
Outros, como o chefe do 7° Comando Aéreo Regional da Amazônia,brigadeiro Márcio Callafange, avaliam que o Sivam pode se tornar um novo Calha Norte -projeto do governo Sarney para ocupar a fronteira norte, cujos hospitais e escolas não funcionam por falta de pessoal. Para o general da reserva Thaumaturgo Sotero Vaz, ex-chefe do Estado Maior do Comando Militar da Amazônia (1988-91), o projeto é um “elefante branco”. Diz que o dinheiro poderia ser priorizado para combater a fome e a pobreza. ‘’É um projeto de primeiro mundo numa área de sexto ou sétimo mundo’’, afirma.
O problema é que as questões que envolvem a Amazônia continuam não sendo discutidas com a sociedade brasileira. Em nome da segurança nacional, os governos civis continuam movidos pelo ideário militar da geopolítica das fronteiras ideológicas, mesmo após o fim da URSS. A lógica da guerra prevalece em tempo de paz, na preparação da guerra que se supõe estar por vir.
A atividade do narcotráfico e da guerrilha em países da Amazônia Internacional é, nesse sentido, uma fonte de preocupação. No Peru, é o Sendero Luminoso; a Guiana, presidida por um marxista e com seu regime cooperativista, tem questões de fronteiras com o Suriname e a Venezuela; na Colômbia, além das organizações do narcotráfico, há o Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que, segundo o Comando Militar da Amazônia, teria invadido o território brasileiro, em fevereiro de 1995, para extorquir garimpeiros no rio Traíras, próximo a Tabatinga, a 1.400 km de Manaus.
Mas, o pano de fundo da luta contra as ideologias de esquerda é o interesse dos grandes grupos nacionais e internacionais pelos recursos minerais da Amazônia. Minérios e minerais raros são encontrados em diferentes porções do subsolo. Entre eles estão o ferro, manganês, cobre, alumínio, estanho, ouro, prata, diamante, petróleo, gás natural, carvão, caolim, salgema, cromo, e, particularmente, titânio, tântalo, nióbio, terras raras, tório, urânio. Toda área com probabilidade de ocorrência mineral explorável já está concedida às empresas de mineração nacionais e internacionais.
Boa parte destes minérios estão em reservas indígenas.
Assim, o controle -necessário- do tráfego aéreo, pode tornar-se o pretexto para se proceder o mapeamento das jazidas de minérios para a exploração mundial.
E combate ao narcotráfico e ao contrabando servir de escudo para se preparar a guerra aos chamados “atos ‘hostis’”, as possibilidades futuras de ações de grupos guerrilheiros. Em qualquer hipótese, os sistemas eletrônicos de sensoriamento muito em breve continuarão a oferecer “gratuitamente” aos grupos econômicos o que resta da riqueza mineral daquela região. Os indígenas continuarão entre as principais vítimas destes projetos.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira é professor doutor de Depto. de geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
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