quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Cortejo de catástrofes acompanha manifestação do El Niño

Francisco Mendonça
...o mar tem a capacidade de armazenar massas de água quentes ou frias geradas numa camada profunda e cobri-las com uma camada rasa pouco significativa durante o verão. Mas apenas para ressucitá -la, por agitação renovada, durante a seguinte estação tempestuosa.
Os progressos no conhecimento físico-matemático sobre as causas do fenômeno El Niño, no Oceano Pacífico, e sua influência no clima global vieram confirmar a tese da “memória oceânica” e suas conseqüências atmosféricas.
(Rubens Junqueira Villela, O Estado de S. Paulo, 31/12/1995)
O El Niño é um fenômeno oceânico caracterizado, principalmente, pelo aquecimento anormal das águas superficiais nas porções central e leste do Oceano Pacífico, nas proximidades da América do Sul, mais particularmente na costa do Peru. A corrente de águas quentes que ali circula, normalmente, em direção sul no início do verão somente recebe o nome de El Niño quando a anomalia térmica atinge proporções muito elevadas (em torno de 4 a 6°C). Em termos sazonais, o fenômeno ocorre com mais freqüência no período que antecede o Natal, o que explica a origem do nome, que significa, em espanhol, “o menino”, uma alusão ao menino Jesus, que nasceu num 25 de dezembro.
O El Niño se faz notar com maior evidência nas costas peruanas, pois as águas frias provenientes do fundo oceânico (ressurgência) e da Corrente Marinha de Humboldt são ali interceptadas por águas quentes provenientes do norte e oeste. Esta alteração regional assume dimensões continentais e planetárias, à medida que provoca desarranjos de toda ordem em vários climas da Terra.
O El Niño é mais conhecido, sobretudo popularmente, como sendo um fenômeno climático. Esta compreensão, parcialmente incorreta, decorre da forte influência das condições oceânicas no comportamento climático, donde se fala da interação oceano atmosfera.
O Anti-El Niño (também chamado La Niña), ao contrário do El Niño, é representado pelo resfriamento anormal das águas do Pacífico e também desempenha consideráveis impactos nas atividades humanas.
Ambos interagem com a atmosfera e geram uma espécie de gangorra barométrica entre a porção leste (Taiti, Polinésia francesa) e a porção oeste (Darwin, Austrália) do Oceano Pacífico.
O El Niño está associado às baixas pressões na porção leste deste oceano.
O El Niño é um fenômeno bastante conhecido na atualidade e, embora haja muita controvérsia quanto à sua origem, os registros de sua manifestação são conhecidos ao longo da história desde pelo menos o século XVI.
Relatos de conquistadores a respeito de viagens de veleiros entre Panamá e Lima permitem identificar deslocamentos realizados entre o primeiro e o segundo local em pouco mais de vinte dias, impulsionados por ventos fortes de oeste, quando o normal era realizá-los em vários meses. O nome, entretanto, somente foi conhecido a partir de final do século XIX, atribuído por marinheiros de Paita, no norte do Peru.
As pesquisas desenvolvidas até o presente apontam quatro possíveis origens do fenômeno:
A tese dos oceanógrafos, segundo a qual a origem do El Niño é interna ao próprio Oceano Pacífico.
Para eles o fenômeno seria resultante do acúmulo de águas quentes na porção oeste deste oceano devido a uma intensificação prolongada dos ventos de leste nos meses que antecedem o El Niño, o que faz com que o nível do mar se eleve ali em alguns centímetros.
Com o enfraquecimento dos alíseos de sudeste, a água desliza para leste bloqueando o caminho das águas frias provenientes do sul.
A tese dos meteorologistas, para quem a origem do fenômeno é externa ao Oceano Pacífico, pois o estudo da atmosfera tropical mostra uma propagação em direção leste das anomalias de pressão em altitude. Esta propagação estaria relacionada a uma acentuação das quedas térmicas sobre a Ásia Central e à redução da intensidade da monção de verão na Índia. O resultado consiste na formação de condições de baixas pressões mais expressivas sobre o Oceano Índico. Os ventos alíseos do leste do Índico e do oeste do Pacífico se tornam, assim, menos ativos e criam condições para a formação do El Niño.
A tese das Erupções Vulcânicas sustenta a crença de que o fenômeno do El Niño é derivado de erupções submarinas e/ou continentais. Coincidentemente, os eventos de aquecimento oceânico ocorridos em 1982, 1985 e 1991 estiveram relacionados a erupções no México (El Chichón), na Colômbia (El Nevado del Ruiz) e nas Filipinas (Pinatubo), respectivamente. A influência das erupções vulcânicas continentais sobre o El Niño estaria ligada sobretudo às cinzas vulcânicas injetadas na Troposfera, o que gera alteração do balanço de radiação na superfície e perturba a circulação atmosférica.
Por último, cogita-se também da ligação do fenômeno com os ciclos solares de onze anos.
Estas teses, além de outras de menor difusão, revelam o estágio de elevada especulação dos conhecimentos relativos à origem do El Niño.
Pode-se inclusive supor que o fenômeno seja produto desse conjunto de fatores inter-relacionados.
O El Niño ocorre, geralmente, em cada sete de um período de 14 anos.
Os eventos ocorridos neste século e registrados até o momento são em numero de 12, tendo sido observados nas seguintes datas: 1941-1942, 1951, 1953, 1957-58, 1965, 1969, 1972-73, 1976, 1982-83, 1986, 1991. Os dados atuais prevêem uma nova manifestação neste ano de 1997-98.
O Peru é o país que mais diretamente sofre o impacto do fenômeno.
Ocorre queda brutal da produtividade da pesca e do guano, devido a uma brusca redução da quantidade de fitoplanctons que são trazidos para a superfície pela água ressurgente do fundo oceânico e pela corrente fria de Humboldt. Estes alimentam os cardumes de anchovas da região e, quando ocorre o bloqueio térmico, os cardumes afastam-se da área por um período de até 18 meses, desencadeando a morte dos pássaros produtores de guano.
Mas o fenômeno do El Niño repercute no mundo todo, através de inúmeras catástrofes ligadas a severas secas, inundações e ciclones. Além de atuar na costa pacífica da América do Sul, ele provoca graves perturbações climáticas em regiões habitualmente isentas de tais eventos. Entre essas perturbações estão secas anormais ou, ao contrário, ciclones e chuvas com totais pluviométricos extremamente elevados em relação às normais locais e regionais. Alguns exemplos de seus impactos, a nível planetário: 1957-1958: Morte de cerca de 20 milhões de pássaros na costa peruana.
1982-1983: O mais violento do século. Austrália, Indonésia e África austral e saheliana sofreram seca extrema, que deixou 60 mil mortos na Etiópia e provocou incêndios de forte impacto sobre a vegetação, enquanto verdadeiras trombas d’água caíam sobre as costas orientais do Pacífico (até na Califórnia) e ciclones assolavam a Polinésia francesa. Nas Ilhas Christmas, 95% dos pássaros desapareceram e as fábricas de farinha de peixe do Peru pararam, ao mesmo tempo em que epidemias assolavam a região. Por outro lado, fortes inundações no centro-sul do Brasil foram responsáveis pela maior parte dos 30 mil desabrigados na América do Sul.
1997-1998: Fortes inundações no centro-norte da Europa e inverno descaracterizado na América do Sul (muito quente) apontam para a ocorrência de outro episódio do El Niño.
Os meteorologistas prevêem, entre outras conseqüências, muita chuva no verão de 1998, com impactos consideráveis sobre as atividades humanas no sul do Brasil.
Abordagem dinâmica renova a climatologia
A Meteorologia e a Climatologia são as duas ciências que se ocupam do estudo da atmosfera terrestre. Enquanto a primeira está ligada ao conhecimento físico-químico da camada gasosa que envolve o planeta, dando destaque à previsão do tempo atmosférico, a segunda volta-se para a compreensão da interação entre a atmosfera e a superfície da Terra, numa perspectiva geográfica.
O clima pode ser conceituado, de forma genérica, como sendo a sucessão habitual dos tipos de tempo sobre um determinado lugar. O seu estudo, desenvolvido pela Climatologia, depende então da Meteorologia, pois o estudo do tempo atmosférico é de competência desta última. À Climatologia cabe tanto a análise e caracterização do estado médio da atmosfera de uma dada extensão da superfície quanto de seus episódios eventuais. Ambas se complementam no estudo da atmosfera.
Os estudos climáticos são embasados na quantificação e análise detalhada dos elementos climáticos em sua interação com os fatores geográficos. Os elementos climáticos são os atributos constitutivos do clima de qualquer porção da superfície do planeta e são representados pela temperatura, pressão e umidade atmosféricas.
Os fatores geográficos do clima são aqueles agentes responsáveis pela heterogeneidade climática da Terra, pois provocam irregularidades na distribuição dos elementos. Tais agentes são a latitude, a longitude, a maritimidade continentalidade, a vegetação e as atividades humanas.
Para se compreender a configuração climática de um lugar é preciso, primeiramente, compreender o processo de radiação solar que responde por todo o balanço de energia terrestre. A atmosfera do nosso planeta - objeto de estudo da Climatologia - tem características próprias, mas é completamente determinada pelo fluxo de energia que se dá entre o Sol e a Terra e entre esta e o espaço sideral.
Durante muito tempo predominou entre os climatólogos o tratamento estatístico da atmosfera, fato que generalizou a concepção do clima como sendo o resultado de médias matemáticas dos elementos climáticos sobre um determinado lugar num período de trinta anos. Não é raro encontrar pessoas, mesmo de escolaridade universitária, que tomam as médias térmicas, por exemplo, como sendo o clima de um lugar, e isto acontece não somente porque a temperatura é, dos três elementos atmosféricos, o mais facilmente mensurável e de mais simples compreensão, mas porque os pesquisadores deram-lhe maior destaque e difusão em relação aos outros. Junta-se  a tudo isto o fato de que as condições térmicas se refletem e são percebidas de forma mais direta e rápida que a umidade e pressão atmosférica no comportamento dos seres vivos.
A abordagem da atmosfera enquanto corpo dinâmico e mutável começou a ser desenvolvida a partir da década de 40 e rompeu com o tratamento estatístico e fragmentário predominante até então. A partir desta concepção, foram introduzidos os conceitos de massas de ar (ou sistemas atmosféricos) e frentes, que engedraram um novo tratamento da atmosfera, tornando possível a apreensão de seu dinamismo.
As massas de ar - grandes bolsões de ar que se formam em áreas específicas do planeta (regiões de planícies e os oceanos - áreas anticiclonais), deslocam-se de suas áreas de origem devido a diferenças de pressão e levam suas características (temperatura e umidade) para os locais por onde passam, alterando-lhe as condições térmicas, higrométricas e barométricas. O seu movimento se dá, de maneira geral, como resultante do balanço diferenciado de energia entre os Hemisfério Norte e Sul (decorrente das posições da Terra em relação ao Sol - estações do ano), e da distribuição das massas continentais e oceânicas. Assim, nos momentos de solstícios de verão (nos dois hemisférios) as massas quentes (tropicais e equatoriais) deslocam-se com mais facilidade em direção aos pólos, acontecendo o inverso nos solstícios de inverno, quando as massas frias (polares) tem maior desenvolvimento em direção ao Equador. O embate que ocorre entre as massas frias e quentes dá origem às frentes, que ocorrem com maior evidência nos trópicos e sub trópicos.
Onde e como é então que o El Niño passa a fazer parte da circulação climática padrão sul-americana e global ? O El Niño não aparece nas médias ou normais climáticas de lugar algum porque os dados relativos à caracterização climática ainda predominantes não levam em conta os episódios eventuais, abordando somente o que é tido como média normal. Como se sabe, as médias mascaram os extremos.
S o m e n t e dentro da abordagem dinâmica, cuja análise climática trabalha numa perspectiva genética, é que se torna possível a identificação e análise do El Niño como um fenômeno climático. Aqui, retoma-se a conceituação do clima a partir da sucessão habitual (não somente mediana) dos tipos de tempo. O tratamento dos tipos de tempo em sua gênese e ritmo permite identificar e analisar fenômenos como o El Niño. É dentro desta ótica que ele é concebido como uma anomalia climática de caráter eventual que caracteriza a atmosfera do planeta. Ele altera episodicamente o padrão climático global. Devido ao estágio ainda especulativo do debate sobre a sua gênese, ele não figura ainda como integrante da caracterização dos diversos tipos de clima identificados no planeta.
A participação do El Niño na dinâmica atmosférica da América do Sul é bastante representativa. A análise da circulação atmosférica de superfície em condições normais, revela o avanço das massas polares (Mpp - Massa Polar Pacífica e Mpa - Massa Polar Atlântica) em direção norte. A ação do El Niño, no nível sul americano, inibe este avanço e provoca o recuo das massas frias, ao mesmo tempo que contribui para o deslocamento de massas quentes (Mep - Massa Equatorial Pacífica e Mtp - Massa Tropical Pacífica) em direção sul. Os impactos de uma tal alteração repercutem globalmente (Francisco Mendonça).
Boletim Mundo Ano 4 n° 6

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