Qualquer que seja o vencedor dessas eleições, nada mudará para nós”.
Essa foi a reação de Rauf Denktash, líder da auto-proclamada República Turca do Norte do Chipre, diante das eleições presidenciais de fevereiro no Chipre. Ela parece indicar que os turco- cipriotas insistirão na partição formal do país, frustrando as esperanças do Ocidente num acordo de paz.
Chipre é uma pequena ilha, com 9.250 km2 e cerca de 750 mil habitantes, localizada no Mediterrâneo oriental . Na sua aparente insignificância, constitui fonte de aguda dor de cabeça que atormenta Washington há 24 anos: o estado de beligerância latente entre a Grécia e a Turquia.
Povoada por gregos, mas dominada pelo Império Otomano entre 1570 e 1878, Chipre é habitado por 78% de gregos étnicos, cristãos ortodoxos, e 18% de turcos étnicos, muçulmanos.
Em 1974, a Grécia, sob regime militar, estimulou uma tentativa de golpe em Chipre dos defensores da enosis - a reunião com a “mãe-pátria”.
Foi o sinal para a intervenção militar da Turquia, que ocupou o terço setentrional da ilha. A mediação da OTAN, integrada tanto por gregos como por turcos, evitou a guerra. Depois, forças da ONU estabeleceram uma zona-tampão enquanto os turco-cipriotas proclamavam um Estado autônomo, só reconhecido pela própria Turquia.
O Mediterrâneo oriental apresenta tradicional interesse estratégico.
Os petroleiros provenientes do Golfo Pérsico e do Canal de Suez o atravessam antes de chegar aos portos da Europa Ocidental. A frota russa no Mar Negro o alcança depois de navegar pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos, controlados pela Turquia. Este país representou o pilar principal do flanco sul da OTAN durante a Guerra Fria.
Com o fim da Guerra Fria, tornou-se ainda mais importante estabelecer um quadro de cooperação entre a Grécia e a Turquia.
O potencial geopolítico da Grécia reside na sua dupla identidade, européia e balcânica. Mas, durante a Guerra da Bósnia (1992-95), ela funcionou como obstáculo interposto entre o Ocidente e os Bálcãs. De um lado, por baixo do pano, permitiu o trânsito de suprimentos militares para a Sérvia. De outro, multiplicou atritos diplomáticos com a Albânia, a Macedônia e a Bulgária, países com significativa população muçulmana. No fundo, a Grécia temia a expansão da influência turca na região. A política grega está mudando.
Ela cortou laços com os sérvios, participou das forças da ONU que pacificaram a Albânia, tornou-se o maior investidor na Macedônia e na Bulgária. E - grande surpresa ! - o seu ministro do exterior defendeu recentemente a candidatura da Turquia à União Européia (UE).
A adesão turca à UE tem sido adiada há duas décadas. Os europeus enxergam a Turquia como parte do mundo muçulmano e criticam a repressão à minoria curda. Mas o país funciona como ponte insubstituível entre o Ocidente e o Oriente Médio, onde desenvolve colaboração técnico-militar com Israel, e tornou-se um poderoso ímã para as repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central, ricas em petróleo, que querem escapar à influência exclusiva da Rússia.
Há um ano, a Grécia sugeriu que a UE considerasse a candidatura de Chipre ao bloco. Era uma brilhante iniciativa diplomática, destinada a colocar a Turquia na encruzilhada. Optando por um acordo sobre Chipre, a Turquia estaria abrindo caminho para o ingresso da ilha na UE e, talvez, para a sua própria e tão sonhada adesão.
Optando pela discórdia, selaria o seu isolamento e ainda correria o risco de ver a porção greco-cipriota da ilha ser aceita no bloco. As eleições em Chipre são o prosseguimento dessa estratégia.
Agora, de olhos postos na Turquia, americanos e europeus esperam uma postura flexível dos turco-cipriotas.
Afinal, a ilha minúscula é uma chave da porta que separa o Ocidente do Oriente.
Boletim Mundo Ano 6 n° 1
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