Mais internacionalizada, a indústria começa a se recuperar do choque ultra liberal no Brasil. Mas as exportações ainda perdem feio para os importados.
A indústria está vivendo, no Brasil, o segundo tempo de um jogo que começou no governo de Fernando Collor de Mello (1990-92). O primeiro tempo foi marcado pela abertura aos importados, que baixou preços no mercado interno mas destruiu ramos industriais inteiros, levando ao fechamento de centenas de milhares de postos de trabalho. Após a implantação do Plano Real, os juros altos – fundamentais para sustentar a cotação de nossa moeda frente ao dólar - tornaram muito caros os créditos, reduzindo a possibilidade de o empresário tomar dinheiro emprestado e investir em sua produção. Os juros altos também seguraram o consumo, contribuindo para a luta contra a inflação mas atenuando o ritmo de crescimento geral da economia.
Nesse segundo tempo, marcado pela volta dos incentivos oficiais a vários setores da indústria, nota-se uma recuperação e maior competitividade na briga com os importados. Só que trata-se de uma nova indústria, mais internacionalizada.
Seja porque empresas tradicionais (como a Metal Leve e a Cofap, do setor de autopeças) foram vendidas a grupos estrangeiros, seja devido ao aumento da presença de componentes importados no produto final.
Os aparelhos de TV que saem de fábricas instaladas no país, por exemplo, têm embutidos 30% ou 40% de peças vindas da Malásia ou do México.
O governo agora espera que haja um terceiro tempo nesse jogo. E que as pesadas importações de máquinas, equipamentos e componentes feitas nos últimos anos, sejam responsáveis por um novo ciclo de aumento da produção e da competitividade, ativando o setor exportador e invertendo o sinal da balança comercial. Nos oito primeiros meses do ano, o país acumulou um déficit comercial de US$ 4,97 bilhões.
SUSTO INICIAL
A abertura da economia às importações, iniciada no governo Collor, expôs as fraquezas da indústria brasileira.
Diante da redução das alíquotas de importação, setores como os de brinquedos, sapatos, têxteis e instrumentos musicais quase desapareceram.
Entre 1990 e 1995, a importação de produtos chineses cresceu 8,6 vezes, contra um aumento de apenas 2,7 vezes nas exportações para aquele país.
Na primeira metade da década, o Brasil multiplicou 1.812 vezes a importação de calçados e 796 vezes a de produtos têxteis da China. Só em São Paulo, a indústria têxtil fechou um em cada três postos de trabalho.
Com os juros altos fazendo minguar os investimentos, instalou-se uma feroz guerra fiscal. Estados e municípios passaram a oferecer de tudo isenção de impostos, terrenos gratuitos e até empréstimos a juros insignificantes - para obter a instalação de novas indústrias. O governo Fernando Henrique Cardoso também fez uma opção estratégica, priorizando o produto final (automóveis ou geladeiras), em detrimento dos componentes (autopeças, etc). Enquanto o importador de automóveis tinha de pagar um imposto de 70%, quem trazia caixas de câmbio ou sistemas de transmissão pagava apenas 2%.
Pólos industriais antigos, como o ABCD paulista, sentiram na carne os efeitos da combinação entre a guerra fiscal e a opção pelo produto acabado.
A fábrica de ferramentas Black & Decker, por exemplo, fechou as portas em Santo André e transferiu-se para Uberaba (MG), de olho em salários e impostos mais baixos. Dos 203 mil metalúrgicos que o ABCD tinha no final dos anos 80, restaram menos de 130 mil. Cidades como Santo André e Diadema, que cresceram na esteira da indústria, vêm tendo que buscar novas vocações.
Mesmo defensores ferrenhos do apoio oficial às atividades industriais, como o professor Luciano Coutinho, do Instituto de Economia da Unicamp, reconhecem que a crise na indústria brasileira não pode ser atribuída apenas à política de abertura internacional e de juros altos. “Excetuando- se um conjunto de setores produtores de commodities com baixo grau de transformação e grandes escalas de produção (suco de laranja, café, minério de ferro e siderurgia, alumínio, papel e celulose e outros), a economia brasileira já acumulava deficiências competitivas na maioria dos setores da indústria de transformação, antes da estabilização”, afirmou Coutinho, em artigo publicado recentemente na Folha de S. Paulo.
Quer dizer: embora a abertura possa ter sido feita de forma atabalhoada, ela comprovou que a indústria brasileira estava acomodada à proteção estatal e pouco fazia para adequar-se a um mundo em transformação.
SEGUNDO TEMPO
As coisas começaram a mudar no ano passado, principalmente após a posse do novo ministro da Indústria e Comércio, Francisco Dornelles (deputado federal pelo PPB-RJ), que prometia apoio firme ao setor industrial.
De fato, o governo aumentou bastante as alíquotas sobre importados que estavam nocauteando os concorrentes nacionais, porque chegavam a preços baixíssimos ao mercado, graças a fortes subsídios em seus países de origem.
Foi o caso dos brinquedos (o imposto de importação saltou de 20% para 70%, até 1999), lápis e automóveis.
A medida apresentou resultados.
As fábricas de brinquedos, que em 1995, no auge da crise, haviam demitido 18 mil funcionários, abriram 4,8 mil novas vagas desde o ano passado, investindo US$ 112 milhões para aumentar a competitividade. A produção deverá crescer 25% este ano. Também diminuiu a fatia dos importados no mercado nacional de automóveis, que chegara a 13,8% em 1994.
Mas essa indústria que parece se recuperar já não tem nada a ver com a de quatro ou cinco anos atrás. Os grandes investidores estrangeiros aproveitaram a crise para aumentar sua participação no mercado. O Brasil é hoje o quinto maior receptor de investimentos externos diretos em todo o mundo.
Recebeu no ano passado US$ 9,5 bilhões, só perdendo para a China, entre os chamados países emergentes. Desse total, US$ 2,6 bilhões foram aplicados pelas grandes transnacionais na privatização de estatais. E os investimentos estrangeiros produtivos deverão bater nos US$ 15 bilhões, até dezembro.
A internacionalização não está presente apenas na propriedade das empresas, mas também na composição do produto. Estão desaparecendo setores intermediários (peças para computadores, autopeças, etc). Há uma nova distribuição territorial da indústria.
Por obra e graça dos incentivos fiscais, a Bahia e Goiás receberão, cada um, uma montadora de veículos. No Rio Grande do Sul e no Paraná, os governos estaduais concederam polêmicos empréstimos a juros baixos para obterem a instalação de montadoras.
Minas Gerais (em particular a região de Betim, onde está a maior fábrica da Fiat) levou dezenas de indústrias de autopeças do ABCD paulista.
O nível de emprego no setor também mudou muito nos últimos anos. Para ampliar a competitividade, o empresário cortou custos, enxugou até mais não poder a mão de obra e, quando investiu, optou por tecnologia de ponta, que utiliza menos trabalhadores.
No caso da Grande São Paulo, o desemprego chegou a 15,9% da população economicamente ativa (PEA) em agosto. Naquele mês, embora a indústria estivesse aumentando sua produção, foram fechados 68 mil empregos.
NOVO CICLO
A grande dúvida agora é se esse jogo terá um terceiro tempo. O governo aposta que a abertura às importações de máquinas e matérias-primas provocará um novo surto de aumento de produção, com maior competitividade internacional nos próximos anos. Calcula se que, para o Brasil alcançar um desenvolvimento sustentável, seria necessário um investimento agregado de 25% do PIB. Hoje, esse número é de 17%.
Os ministérios econômicos também estão planejando aumentar as alíquotas sobre as importações em alguns setores, para ampliar as exportações ou a concorrência com importados aqui dentro. Sem baixar a cotação do real. Muitos exportadores pedem a volta desse mecanismo de desvalorização cambial que torna os produtos brasileiros mais baratos (portanto, mais competitivos) lá fora. Mas o governo resiste, porque isso tornaria mais frágil o real, e a moeda forte é a base do plano de estabilidade.
Seja como for, a aposta do governo é grande. Caso não haja um novo surto de desenvolvimento, as exportações continuarão perdendo a corrida para os importados. “Nesse caso, quando terminar a onda de privatização e não tivermos mais de onde tirar dinheiro para manter o real, as contas do país entrarão em colapso”, alerta o economista Luciano Coutinho .
Fiat introduziu toyotização no país
Grandes montadoras concentram geograficamente seus fornecedores para reduzir custos
O nome já diz: a prática surgiu na fábrica de automóveis Toyota, uma das maiores do Japão. E o objetivo é reduzir drasticamente os custos. A empresa propôs a seus fornecedores a concentração das fábricas de autopeças ao redor da montadora. Isso cortou pela raiz os gastos com fretes, comunicações, e controle.
No Brasil (onde, aliás, a Toyota não tem fábricas de importância), a pioneira a empregar o modelo foi a Fiat italiana. Ela levou para a região de Betim (MG) dezenas de fornecedores de autopeças, que se beneficiaram com os salários, significativamente mais baixos do que na região do ABCD paulista (Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, além de Rio Grande da Serra, Mauá e Ribeirão Pires). Uma pesquisa realizada com industriais e executivos que toparam se mudar para Minas Gerais revelou ainda que a maioria apreciava a melhor qualidade de vida, longe da poluição, da correria e do tráfego caótico da Grande São Paulo.
Enquanto isso, o ABCD vive um processo de “detroitização”. O termo foi criado a partir da história de Detroit, cidade americana que, por décadas, concentrou a produção nacional de automóveis. A saída de muitas montadoras, em busca de custos mais baixos, deixou Detroit órfã e centenas de milhares de trabalhadores desempregados. No caso do ABCD, a “letra” mais atingida é Santo André, sede tradicional de muitas fábricas de autopeças (e não de montadoras automobilísticas), que cortaram mais da metade de sua força de trabalho.
A toyotização já sofreu novo aperfeiçoamento. Hoje, muitas grandes indústrias oferecem a fornecedores a possibilidade de se instalarem no interior da própria montadora. Os custos se tornam ainda menores porque a fábrica terceiriza alguns processos. Digamos, a produção de determinada peça. Enquanto a montadora economiza no pagamento do 13º salário e férias, o fornecedor ganha na escala, ao produzir muito mais, mesmo obtendo um lucro menor por peça.
No caso do setor automobilístico no Brasil, a toyotização combinou-se à reorganização produtiva provocada pelo Mercosul. Hoje, um automóvel da Ford, Fiat ou General Motors que circule pelo Cone Sul da América pode ter motores feitos por aqui e caixas de câmbio argentinas. Isso representa custos mais baixos.
E menos trabalhadores empregados. Resta saber se haverá uma nova onda de toyotização, ligada aos incentivos fiscais dados pelo governo, para que montadoras se instalem no Norte e Nordeste. Até 1999, Goiás, Bahia e Amazonas, além do Rio Grande do Sul e Paraná (onde já funcionava a montadora da Volvo sueca) contarão com fábricas de veículos.
Boletim Mundo Ano 4 n° 6
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