domingo, 18 de dezembro de 2011

AS PALAVRAS QUE A MÍDIA USA

Raiana Ribeiro

Quem é terrorista? A resposta é muito mais difícil do que aparenta. Por exemplo: para o jornal Folha de S. Paulo, o grupo libanês Hezbollah é terrorista, mas o mesmo não é verdade para o jornal O Estado de S. Paulo, que o descreve como um grupo de resistência islâmica. Em geral, o terrorismo é entendido como o ataque a alvos civis com o objetivo de disseminar o pânico e/ou fazer propaganda de determinada causa política, ideológica ou religiosa.
Mas essa definição não é adotada pela ONU, talvez porque ela poderia prejudicar os interesses dos próprios estados membros.
Segundo essa definição, o ataque nuclear a Hiroxima e Nagasáqui, por exemplo, poderia ser interpretado como prática de terrorismo de Estado. O mesmo poderia ser dito do recente ataque praticado pelo exército de Israel contra a população civil do sul do Líbano.
A linguagem nunca é inocente. A escolha dos termos revela sempre determinada visão de mundo. É completamente diferente, por exemplo, qualificar Fidel Castro como “ditador” (Folha) ou como “presidente” de Cuba (Estado). Uma coisa é afirmar que o MST “invadiu” uma área (termo usualmente empregado pelos veículos da “grande mídia”); outra é dizer que o movimento “ocupou” um latifúndio (termo empregado pela imprensa de esquerda, ou alternativa).
No caso do termo “terrorismo”, a discussão é de grande relevância, já que ele ganhou força com a estratégia de política externa determinada pelo presidente George Bush, a partir do ataque de 11 de setembro de 2001. A acusação de prática de terrorismo passou a justificar uma série de iniciativas da Casa Branca, incluindo o bombardeio do Afeganistão (outubro de 2001) e a invasão do Iraque (março de 2003). Por essa razão, vamos nos deter um pouco mais na análise desse conceito.
O termo “terrorismo” foi empregado pela primeira vez em 1798, no Suplemento do Dicionário da Academia Francesa, para definir o período da Revolução Francesa que vai de setembro de 1793 a julho de 1794. Implantado por meio da Lei dos Suspeitos, o “terror” era a forma encontrada pelos jacobinos (a vanguarda de 1789) para exterminar os contra-revolucionários.
Na época, mais de 16 mil acusados de conspiração foram guilhotinados em nome da república que se instaurava.
Em 1936, o termo reaparece durante a Revolução Russa para designar os Processos Moscou, período em que o então ditador soviético Josef Stálin decide eliminar quadros de seu próprio partido, do exército e da polícia secreta, para assim concentrar todo o poder em suas mãos.
Cerca de 800 mil foram fuzilados. Pouco mais, coube ao regime nazista de Adolf Hitler dar uma nova dimensão ao terror, com a sua política de “limpeza racial”.
Milhões de judeus, homossexuais, comunistas e ciganos foram exterminados nos campos de concentração nazistas.
Em Educação após Auschwitz, o filósofo alemão Theodor Adorno afirma, profeticamente, que o terror poderia se repetir, graças ao nacionalismo ressurgente.
“Ele é tão raivoso justamente porque nesta época de comunicações internacionais e de blocos supranacionais já não é mais tão convicto, obrigando-se ao exagero desmesurado para convencer a si e aos outros que ainda têm substância”. Nessa perspectiva, os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, a estratégia adotada por Bush e a linguagem empregada pela mídia nacional e internacional disseminam um novo significado ao termo “terror”.
A partir do atentado, os mais importantes meios de comunicação praticamente incorporaram o discurso de Washington, e assumiram a ofensiva na chamada “guerra ao terror”. Só que, ao fazê-lo, incorporaram a idéia de que se tratava de um suposto “choque de civilizações”, em que o Islã e o mundo árabe, em geral, passaram a ocupar o lugar do “inimigo”. As motivações de ordem social, política e econômica dos conflitos foram esquecidas, para dar vazão à idéia de conflitos entre linhas culturais e civilizacionais.
A Folha de S. Paulo, por exemplo, em vista do aniversário de cinco anos do episódio, repetiu diversas vezes a expressão “terrorismo islâmico” e assinalou a “necessidade de combater sem tréguas essa perigosa forma de irracionalismo político que o terror islâmico engendra”. Nesse mesmo dia, Bush declarou, na Casa Branca que “na verdade, é uma luta por civilização”.
Segundo o presidente, “se não derrotarmos esses inimigos agora, nós deixaremos para nossos filhos um Oriente Médio dominado por Estados terroristas e ditadores radicais com armas nucleares”.
A associação entre árabes e islâmicos ao terrorismo passou a ser automática.
Apesar disso, o ataque ao Afeganistão e a invasão do Iraque, somados a outros conflitos como o da Palestina e Líbano, impuseram à mídia o reconhecimento do termo “terrorismo de Estado”. A expressão, usada ainda de forma comedida pelos veículos de informação, caracteriza a política “anti-terrorista” implantada uma semana depois do caso das torres gêmeas.
Em 18 de setembro de 2001, o Congresso estadunidense aprovou a Autorização de Uso de Força Militar, um documento que autoriza o presidente dos Estados Unidos a “usar de toda a força necessária e apropriada” contra “as nações, organizações ou pessoas (...) de modo a impedir quaisquer atos futuros de terrorismo internacional contra os Estados Unidos”.
A denúncia de torturas praticadas por soldados estadunidenses na prisão de Abu-Ghraib, o bombardeio a alvos civis e a existência de prisões ilegais, admitidas recentemente por George Bush, são exemplos de um tipo de terrorismo que se pretende legitimar em nome da “razão de Estado”.
Mais uma vez coube a Adorno, no texto citado anteriormente, apontar também a necessidade de se “tratar criticamente um conceito tão respeitável como o da razão de Estado”. Para ele, “na medida em que colocamos o direito do Estado acima do de seus integrantes, o terror já passa a estar potencialmente presente”.
Voltemos, então, ao nosso problema original. O Hezbollah é um grupo terrorista ou é um movimento de resistência islâmico? A resposta depende do ponto de vista adotado. Para aqueles que acreditam no “choque de civilizações”, o Hezbollah é a própria representação de um diálogo impossível; mas, para aqueles que procuram identificar as causas históricas, políticas e sociais dos conflitos, a questão se apresenta de forma muito mais complexa. Você tem a responsabilidade da escolha.

História e Cultura n° 6 Ano 2

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