sábado, 17 de dezembro de 2011

A Índia é aqui

O governo brasileiro recebeu, em março, uma oferta de empresas indianas: um importante carregamento de álcool de cana, a preços inferiores aos praticados por aqui, e que poderia ajudar a deter a alta nos postos de combustíveis (entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2006, o preço do álcool nas bombas subiu mais de 70%). O detalhe é que o álcool “indiano” na verdade era made in Brazil, exportado meses atrás a preços mais baixos e que agora ameaçava voltar com o selo de exportação da Índia.
O episódio ilustra o dilema do álcool no Brasil. A alta dos preços do petróleo e a disposição internacional de buscar fontes alternativas de energia vêm transformando o Brasil no “Oriente Médio do álcool”, como única economia do mundo capaz de fazer frente ao crescimento da demanda. As novas tecnologias de biodiesel, utilizando o bagaço da cana e a energia gerada pela queima da palha da cana, garantem ao Brasil uma liderança cada vez mais confortável. Japão e Suíça, entre diversos outros países, já decidiram acrescentar álcool à gasolina. Até o bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft, comprou uma empresa para produzir álcool, de olho nos lucros.
Tudo isso esbarra na estrutura arcaica da produção alcooleira, controlada principalmente por grupos familiares, alguns ativos há centenas de anos. Na década de 70, o programa oficial de incentivo Proálcool convenceu milhões de brasileiros a comprar carros a álcool.
Com a demanda aquecida, os usineiros exigiram subsídios maiores, o governo não deu, o Proálcool micou e os carros voltaram à garagem.
As dívidas acumuladas pelos usineiros vêm sendo roladas pelos sucessivos governos federais, em negociações que, não por acaso, acontecem sempre em períodos de eleições.
Agora, o boom internacional e a explosão dos motores flex power levaram os produtores a, outra vez, atirar os preços do álcool para a estratosfera. As justificativas são típicas da “doença holandesa”: os preços sobem nas entressafras e, se o brasileiro não estiver satisfeito, não há problema: é só exportar. Não é tão simples: denúncia publicada em fevereiro pelo jornal O Estado de S. Paulo dá conta de que os produtores deixaram apodrecer nos canaviais o equivalente a 2,5 bilhões de litros de álcool, para forçar a alta de preços. De quebra, o setor canavieiro é um dos mais acusados pelo uso de trabalho infantil, por queimadas indiscriminadas e por resistir a qualquer certificação ambiental, muito exigida nas exportações aos países desenvolvidos.
Uma saída para a crise pode ser gerada em breve nas salas da burocracia ministerial de Brasília. A idéia é mudar a classificação do álcool, de produto agrícola para combustível. Isso permitiria ao governo formar grandes estoques reguladores, para conter os preços e também condicionar as exportações ao pleno abastecimento do mercado interno. A queda de braço com os usineiros promete ser quente.
Enquanto isso, o remédio mesmo é voltar a usar gasolina no tanque.

Boletim Mundo n° 2 Ano 14

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