Os habitantes da Nova Zelândia chamam a si mesmo de “kiwis”, nome de uma estranha espécie de pássaro que se tornou símbolo do país e da fruta que eles inventaram.
Existem cerca de 4 milhões de “kiwis”, a maior parte dos quais concentrados em duas cidades: Auckland, o principal centro financeiro e de serviços e Wellington, a capital política, ambas na Ilha do Norte. Entretanto, uma parte importante das riquezas nacionais é gerada no campo. As belíssimas paisagens rurais do país são dominadas por mais de 43 milhões de ovelhas, que dividem os pastos com cerca de 12 milhões de vacas e quantidades respeitáveis de veados. Na Nova Zelândia, os vilões do efeito estufa não são os automóveis ou as fábricas, como acontece no resto do mundo, mas os animais: o gás emitido durante o processo digestivo do gado é responsável por cerca de metade de todo o gás metano emitido no país. As autoridades locais já pensaram inclusive em criar um imposto ambiental sobre a flatulência dos animais, mas a medida foi rechaçada pelos produtores rurais...Para um viajante brasileiro, tudo soa estranho e encantador, a começar pela natureza. Auckland é na verdade um “campo de vulcões”. A baía sobre a qual a cidade foi erguida é pontilhada de inúmeras ilhas de origem vulcânica, muita delas formadas a apenas poucos milhares de anos.
Em toda parte, estranhas formações vegetais e rochas magmáticas expostas anunciam a “juventude” geológica do lugar.
Além de ser uma das capitais mundiais dos esportes náuticos, Auckland funciona como principal nó das ligações entre a Nova Zelândia e o resto do mundo – em especial a Austrália e os países da Bacia do Pacífico. Por isso, os povos genericamente chamados de “pacíficos”, de traços marcadamente asiáticos, representam cerca de 15% da população da cidade.
A importância de Auckland na rede de relações externas no país é sintetizada no emblema de seu aeroporto internacional: “onde a Nova Zelândia toca o mundo”. A globalização é um elemento da paisagem, na qual de destacam edifícios inteligentes de empresas de consultoria e de prestação de serviços, a maior parte deles na área portuária em rápido processo de modernização.
Aqui, como em toda a parte, a inserção urbana nas redes globalizadas aqueceu o mercado imobiliário e favoreceu a especulação.
Estivemos em um congresso internacional dedicado à Geografia da Saúde em Waiheke, uma das maiores ilhas da baía de Auckland, transformada em pólo turístico de fim de semana para os habitantes da cidade. Como acontece em grande parte dos encontros científicos realizados no país, o congresso foi aberto em maori, a língua dos nativos. Além disso, incluiu a visita a uma das centenas de tribos maoris espalhadas pelo país.
O respeito às tradições dos nativos é um dos traços da cultura neozelandesa: topônimos maoris são utilizados na maior parte das estradas, cidades e povoados do país; e os maoris ocupam um espaço significativo da vida política social e política local. Mas o encontro entre a população maori e os colonizadores ingleses não foi exatamente cordial: ao longo do século XIX, os maoris ofereceram resistência cerrada à ocupação de suas terras. Em 1840, os principais chefes tribais assinaram uma espécie de tratado de paz com a Coroa Britânica, o Tratado de Waitangi, que até hoje é considerado o documento fundador da nação neozelandesa. Por meio dele, os britânicos asseguram o controle político sobre a nação, mas garantiram aos maoris o direito de conservar o controle sobre suas terras e seus recursos.
Apesar do tratado, os episódios de violência e de confisco de terras maoris prosseguiriam nas décadas seguintes.
Devido às doenças trazidas pelos europeus, contra as quais os maoris não tinham imunidade, tais como febre tifóide e tuberculose, a população maori conheceu acentuado declínio. Estima-se que quando James Cook aportou na Nova Zelândia, em 1773, existiam entre 125 e 150 mil maoris espalhados nas ilhas que hoje pertencem ao país. No final do século XIX, a população maori era de apenas 43 mil pessoas!
No século XX, no entanto, a população nativa conheceu grande surto de crescimento, devido às políticas públicas de saúde e ao arrefecimento da violência. O renascimento maori é um dos fenômenos mais significativos da história neozelandesa recente. Mesmo assim, as condições de vida e de saúde dos 320 mil maoris que atualmente existem no país ainda são bastante inferiores às vigentes na população de origem britânica.
Durante o congresso, os pesquisadores neozelandeses apresentaram trabalhos que analisavam a saúde da perspectiva do local: vizinhança e comunidade eram os conceitos chaves de seus trabalhos. Esta escala de abordagem faz todo o sentido para um país pequeno e com apenas poucos milhões de habitantes, mas soa estranha para os pesquisadores brasileiros. Enquanto os neozelandeses mostraram seus esforços para definir os limites da vizinhança, os brasileiros estavam preocupados em estabelecer os limites das grandes regiões de saúde, cada uma delas abrigando uma população muitas vezes superior à população total da Nova Zelândia.
Terminado o congresso, partimos de Auclkand em direção à Wellington, passando por uma inusitada combinação de planícies ocupadas por pastos, cordilheiras montanhosas e crateras vulcânicas que abrigam imensos lagos. Um complexo sistema de falhas tectônicas atravessa a Ilha do Norte. Nos diversos parques temáticos instalados no centro da ilha, o tectonismo se transforma em espetáculo de gêiseres e águas quentes coloridas pelos mais diversos metais. A cidade de Rotorua, centro do roteiro termal, exala um cheiro de enxofre forte o suficiente para tirar o sono dos turistas desavisados...
Em Wellington, a Nova Zelândia é sobretudo inglesa. As marcas da colonização estão em toda a parte: nos edifícios vitorianos, na feição dos habitantes, dos pubs noturnos. No Museu Nacional Te Papa, entretanto, reencontramos a diversidade cultural e natural que caracteriza este país tão particular. A natureza, os esportes radicais, as tradições maoris e chegada dos colonizadores estão brilhantemente sintetizadas no acervo, que inclui um jogo interativo no qual se explicam as condições ofertadas pelo governo às pessoas do mundo inteiro que desejem emigrar para lá. Alguém se candidata?
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