domingo, 18 de dezembro de 2011

PETRÓLEO: FONTE DE ENERGIA, DE FARSAS E TRAGÉDIAS

José Arbex Jr.

O petróleo é nosso!” – gritavam, nas ruas, milhares de estudantes, professores, artistas, intelectuais, sindicalistas, militantes de partidos políticos, militares nacionalistas, trabalhadores de todas as categorias, pessoas de todas as idades. Era o fim dos anos 40, e o Congresso preparava-se para votar o Estatuto do Petróleo, que concederia a empresas estrangeiras o direito de explorar reservas brasileiras. A campanha, talvez a mobilização pública de maior envergadura da história republicana brasileira, uniu tradicionais inimigos, como os generais que participavam dos debates promovidos pelo Clube Militar, de tendência nacionalista, e o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Para os defensores da campanha, a exploração do petróleo, produto estratégico, deveria ser submetida aos interesses nacionais, e não à lógica de corporações como as “sete irmãs”: as estadunidenses Exxon; Chevron; Gulf (agora parte da Chevron); Mobil e Texaco, a britânica British Petroleum e a anglo-holandesa Shell. Uma empresa estatal brasileira teria condições de assumir a exploração e a prospecção dos poços de petróleo, como ocorria em outros países latino-americanos (Argentina, México etc.).
O México, aliás, foi o primeiro país americano ao sul do rio Grande a nacionalizar as suas reservas, em 1938, como resultado de um processo tenso de lutas. A constituição mexicana de 1917, resultado da revolução nacionalista de 1910, afirmava, no parágrafo 4, artigo 27, que as riquezas do subsolo pertenciam à nação mexicana e não aos proprietários da superfície. Nada disso era cumprido na prática pelas empresas, especialmente as estadunidenses, que exploravam o “ouro negro” sem prestar contas ao governo, lançando mão de suborno, corrupção e chantagem.
A “festa” começou a acabar em 1934, com a eleição do general Lázaro Cárdenas à presidência. Comprometido com a construção de um Estado nacional digno desse nome,  Cárdenas levou a sério a aplicação da Constituição de 1917. Iniciou um programa de reforma agrária e, em março de 1938, decretou a expropriação das empresas petrolíferas estrangeiras e criou a estatal Petróleos Mexicanos (Pelmex).
É claro que Cárdenas passou a sofrer pressões, imediatamente, por parte das “sete irmãs” e dos respectivos governos, mas a eclosão da Segunda Guerra acabou lhe dando um fôlego. Encerrada a guerra, as “irmãs” voltaram a pressionar, mas tiveram que enfrentar um mundo distinto, marcado pelas lutas anti-coloniais, da Índia de Gandhi ao Vietmin, na Ásia, passado pelos africanos.
Em oposição às “irmãs”, os países produtores acabariam criando, em 1960, o cartel Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), hoje integrado por onze membros (Argélia, Líbia, Nigéria, Indonésia, Irã, Iraque, Kuwait, Qatar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela).
No Brasil, os setores “entreguistas”, favoráveis à abertura de concessão aos estrangeiros, alegavam que o país não dispunha de capitais, experiência ou técnicos capacitados a explorar o petróleo. Além disso, no quadro da Guerra Fria, denunciavam a aliança dos nacionalistas com o PCB, acusado de ser um “braço” da União Soviética.
Defendiam essa perspectiva os porta-vozes do governo Dutra (1946 – 51), banqueiros, empresários e os principais órgãos da grande imprensa; entre os partidos, destacava-se a União Democrática Nacional (UDN), cujo principal líder era Carlos Lacerda.
Mas a campanha “o petróleo é nosso” atualizava com força o mito fundador do país, um gigante “deitado em berço esplêndido” e dotado de recursos naturais inesgotáveis.
Ao assegurar a soberania sobre suas riquezas, o Brasil estaria cumprindo um destino ao mesmo tempo histórico e fabuloso. Essa visão, que, ironicamente, teve sua origem no imaginário dos colonizadores europeus, estabelece uma identidade perfeita entre o Brasil histórico e o Brasil natural, como se um fosse a expressão do outro. Os nacionalistas ganharam a parada. O estatuto “entreguista” foi derrotado, o que permitiu a criação da Petrobras, pelo presidente eleito Getúlio Vargas, em outubro de 1953.
Mais ou menos na mesma época, entre 1951 e 1953, a luta pelo controle do petróleo eclodiu no Irã. O então primeiro-ministro Mohamed Mossadegh nacionalizou as suas reservas, então exploradas pelas “irmãs”, e rompeu relações com o Reino Unido. A União Soviética apoiou o Irã e passou começou a comprar o seu petróleo, para romper o boicote ocidental. Em agosto de 1953, Mossadegh foi deposto por um golpe militar desferido com ajuda dos serviços secretos do Reino Unido e dos Estados Unidos.
O xá (imperador) Reza Pahlevi, que havia fugido do país, retornou e assumiu poderes ditatoriais, os quais utilizou com ferocidade até 1979, quando foi derrubado pela revolução islâmica do aiatolá Khomeini.
Como havia acontecido no Brasil, a “questão do petróleo” implicou, no Irã, a defesa da soberania nacional.
Como aconteceu no Irã, Getúlio Vargas passou a sofrer pressões tremendas em represália ao seu programa nacionalista de governo. Certamente, elas contribuíram para o seu suicídio, em agosto de 1954.
De uma perspectiva bem panorâmica, toda a história do século XX, do Irã ao Brasil, poderia ser contada a partir da geopolítica do petróleo, matéria-prima das transformações econômicas e culturais de nosso tempo. A descoberta das imensas reservas no Irã, em 1908, conduziu o Oriente Médio e a Ásia Central ao centro das disputas entre as grandes potências, condicionando o processo de alianças, rupturas e guerras que, ao longo de décadas, constituiu as atuais fronteiras entre os Estados daquela região, incluindo a criação de Israel. Esse processo foi explicitado, em 1973, quando a Opep aumentou dramaticamente o preço do barril do petróleo, como represália ao apoio dado pelos Estados Unidos a Israel. O discurso pan-arabista do líder egípcio Gamal Abdel Nasser ganhava, então, um significado econômico bastante concreto, que podia ser medido pelo preço marcado nas bombas dos postos de gasolina.
No mundo contemporâneo, tropas dos Estados Unidos ocupam diretamente centros produtores de petróleo, como no Iraque, e patrocinam golpes de Estado, como na Venezuela, em nome de uma suposta “guerra ao terror” e ao “autoritarismo”. Em contrapartida, a Venezuela de Hugo Chávez e a Bolívia de Evo Morales retomam a retórica anti-imperialista, ancorados numa política estatal de controle do petróleo e do gás, ao passo que, no México, o movimento zapatista recupera a retórica da revolução de 1910 e denuncia a entrega do “nosso petróleo” às mesmas empresas desafiadas por Cárdenas. No Brasil, o governo Lula tenta angariar para si o legado histórico da campanha do petróleo, mediante o lançamento da consigna “o biodiesel é nosso”. E assim caminha a humanidade.
Os discursos articulados em torno da geopolítica do petróleo, em resumo, voltam a compor, ininterruptamente, novas tragédias e farsas, que só terminarão quando forem esgotadas as reservas do “ouro negro”, ou quando a adoção de outros tipos de combustíveis (como o nuclear e o biodiesel) diminuir radicalmente a importância econômica do petróleo. Até lá, muitos ainda dirão que “o petróleo é nosso”.

História e Cultura n° 4 Ano 2

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