Por que a inflação há tempo não aumenta nos países ricos, mesmo nos anos de expansão econômica significativa? Por que os bancos centrais dos países ricos mantêm juros baixos, mesmo quando há forte crescimento do consumo? Por que os preços do petróleo e de diversos produtos primários (agrícolas e minerais) aumentam há cinco anos? Por que os salários reais dos trabalhadores, no mundo inteiro, apresentam estagnação ou declínio?
As respostas são, pela ordem: China, China, China e China. É claro que cada um desses fenômenos tem seu próprio contexto e as respostas completas são menos diretas. Mas o núcleo das respostas é sempre esse: China.Há duas décadas, a economia chinesa cresce a taxas anuais superiores a 9%, em média. Esse “espetáculo do crescimento” – na expressão usada por Lula, de modo impertinente, em relação ao Brasil – desenrola-se no país que abriga um quinto da população mundial. É um fenômeno inédito na história, que tem o impacto de um terremoto sobre todas as estruturas básicas da economia global.
A China é um país-fábrica: as exportações chinesas concentram-se pesadamente nos manufaturados. O país-fábrica consolidou-se na posição de terceiro exportador mundial, atrás apenas da União Européia (UE) e dos Estados Unidos, mas ultrapassou os Estados Unidos no ranking de exportação de manufaturados.
Os manufaturados chineses marcham sobre os maiores mercados do mundo. Na UE, onde a imensa maioria das importações provêm do interior do próprio bloco, representam 6,7% do total de importações industriais, mais do que a parcela americana (6,1%) e mais do que o dobro da japonesa (3,2%). No Japão, os produtos industriais chineses aproximam-se de 40% do tal das importações de manufaturados e, nos Estados Unidos, a China já é um fornecedor maior do que a UE.
As fábricas instaladas na China – nacionais ou, na maioria dos casos, transnacionais – fornecem principalmente equipamentos de escritório e de telecomunicações e produtos pessoais e domésticos para os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
O fluxo crescente dos manufaturados chineses, mais baratos que os concorrentes, impede que se acenda a fogueira da inflação nos países ricos. A combinação incomum de consumo em alta e preços em baixa explica a política de juros baixos mantida pelos bancos centrais das potências econômicas.
Uma ponte entre a Ásia industrial e os mercados consumidores dos Estados Unidos e da Europa: essa é a função desempenhada pela China na globalização. A economia chinesa importa manufaturados (sobretudo máquinas, equipamentos industriais e componentes) principalmente do Japão e dos “Tigres Asiáticos. E exporta produtos finais para os mercados ocidentais.
Na condição de país-fábrica em acelerada expansão, a China realiza importações cada vez maiores de matérias-primas minerais e de combustíveis. Esses itens representam, juntos, quase um quarto das importações chinesas. O apetite ilimitado da China por esses produtos aquece seus preços.
Os novos patamares de preços do barril de petróleo vieram para ficar, com oscilações provocadas pelos rumos geopolíticos do Oriente Médio. As grandes companhias petrolíferas chinesas disputam o controle de reservas de óleo e gás, no mundo inteiro, com as empresas tradicionais, americanas e européias. Uma das razões da invasão americana do Iraque foram os contratos de exploração de petróleo firmados entre o regime de Saddam Hussein e as companhias petrolíferas da China.
A alta do petróleo enche os cofres dos exportadores do Golfo Pérsico, da Rússia, da Venezuela e do México. Mas não é só petróleo.
Os preços médios dos minérios metálicos experimentaram fortes aumentos nos últimos cinco anos. O minério de ferro recupera-se de uma depressão histórica de preços. Alumínio, níquel, cobre e zinco, usados nas ligas metálicas mais consumidas pelas indústrias modernas, lideram as altas de preços e impulsionam as exportações dos grandes produtores. Bom para Brasil, Rússia, Austrália, África do Sul, Canadá, Chile, Peru e Zâmbia.
Atrás de cada manufaturado barato exportado pelo país-fábrica encontram-se milhares de trabalhadores chineses que recebem salários miseráveis (mas várias vezes maiores que os rendimentos de seus compatriotas que permanecem no meio rural).
Ao fornecer bens industriais, a China “exporta” trabalho.
Na economia globalizada, são milhões de operários chineses “disputando” vagas com trabalhadores do mundo inteiro. Eis a fonte principal da contração do emprego industrial, dos altos níveis de desemprego e da difusão do trabalho precário nos mais diversos países – dos Estados Unidos ao Brasil, da Alemanha ao México, da Coréia do Sul à Ucrânia. China é, quase, um outro nome para globalização.
Boletim Mundo n° 2 Ano 14
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