sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

EL GASODUTO ES NUESTRO?

Projeto estratégico, visto pelos nacionalistas como fundamento da integração sul-americana, é uma iniciativa de Venezuela, Brasil e Argentina.

Em Janeiro, a América do Sul foi brindada com um anúncio estrondoso, feito pelos presidentes do Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva), Argentina (Nestor Kirchner) e Venezuela (Hugo Chávez): até julho, deverão ser concluídos os estudos para a construção, no prazo máximo de dez anos, de um imenso gasoduto ligando os três países. A  linha tronco terá 6.600 quilômetros de extensão, entre Puerto Ordaz, na Venezuela, e Buenos Aires, na Argentina. O custo total do projeto é avaliado em algo como US$ 23 bilhões, quase o dobro do dinheiro (em valores corrigidos) investido na usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo.
Sua vazão diária será da ordem de 150 milhões de metros cúbicos, mais do que suficiente para suprir a demanda dos três países. A partir da linha tronco, inúmeros ramais transportarão o gás para centros consumidores, com a perspectiva de incluir na malha outros países produtores, como a Bolívia.
Foram formados seis grupos de estudo para elaborar o projeto, nos seus aspectos econômicos, legais, técnicos, ambientais e sociais. Além disso, um grupo coordenador examinará a dimensão política da iniciativa. Críticas de toda ordem já são feitas ao projeto – de organizações ambientalistas preocupados com o impacto ecológico da obra aos estrategistas que alertam para o perigo de uma crescente dependência energética do Brasil e da Argentina em relação às reservas venezuelanas de gás e petróleo.
Do ponto de vista de Hugo Chávez, o gasoduto é a conseqüência de uma linha estratégica que ele qualifica como “revolução bolivariana”, isto é, a integração dos países latino-americanos numa perspectiva de independência em relação aos Estados Unidos. A mesma linha fez com que Chávez convocasse, no ano 2000, uma conferência em Caracas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), com o objetivo de dar nova vida ao cartel dos produtores, que perdera boa parte de sua força a partir da primeira Guerra do Golfo (1991). Na ocasião, o Iraque, um dos membros mais importantes da Opep, foi colocado sob cerco militar dos Estados Unidos e sob sanções econômicas da ONU, perdendo o poder de decisão sobre o seu próprio petróleo. A Opep entrou em fase de morna calmaria, voltando a tomar iniciativas importantes sobre controle de preços e produção após a Conferência de Caracas.
Para os argentinos, cada vez mais dependentes de recursos energéticos externos, é uma questão de sobrevivência. Para os apoiadores brasileiros do projeto, especialmente os setores mais nacionalistas das Forças Armadas, trata-se da possibilidade de realização do “sonho de integração sul- americana”.
Nem mais nem menos.
É o caso do general reformado Carlos de Meira Mattos, veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra: “Se concluído, esse gasoduto Venezuela-Brasil- Argentina constituirá a maior obra de integração física entre os quatro países beneficiários (o Uruguai também é favorecido, embora não tenha assinado o memorando).
Possibilitará, no futuro, a ambiciosa projeção de um anel energético sul-americano, prolongando-se por Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia e fechando na Venezuela, aproveitando, ao longo do seu traçado, as reservas de gás do Peru e da Bolívia.
O velho sonho de integração da América do Sul, nunca alcançado, se torna cada vez mais presente.
Na conjuntura globalizadora em que vive o mundo, em que predomina o valor do poder econômico, só os grupos regionais integrados adquirem peso competitivo. Excetuam-se desse imperativo apenas os Estados Unidos e a China. Os países  desenvolvidos e ricos da Europa já deram esse exemplo, criando a União Européia.”
Na mesma linha, o diretor de Gás e  Energia da Petrobras, Ildo Sauer, defende o projeto e descarta o perigo de uma subordinação política que seria eventualmente criada pela dependência energética.
Sauer lembra a existência de imensos gasodutos que ligam a Sibéria aos países europeus e afirma: “Em outros momentos da história, quem apostou contra a integração energética errou. Foi o caso dos Estados Unidos em relação ao gasoduto que levou o gás da Rússia para a Alemanha e a França. A cooperação e a integração produzem mercados com boa escala.
Cria-se uma interdependência em que um país depende de receitas e o outro depende da energia. Ninguém  fica na mão de ninguém.”
Sauer e Meira Mattos poderiam ainda argumentar, em defesa do gasoduto, que também quando foi construída Itaipu surgiram inúmeras objeções, incluindo a desconfiança dos militares argentinos de que a usina poderia ser usada como arma contra o seu país (uma abertura rápida das comportas em tese provocaria um desastre de grandes proporções, com a inundação de Buenos Aires). Além disso, muitos interpretavam a usina como uma artimanha estratégica: o Brasil anexaria economicamente o Paraguai, isolando a Argentina ao sul do hemisfério.
Contra o otimismo de Sauer e Meira Mattos, pode-se argumentar que outros projetos de integração regional foram tentados no passado, e todos esbarraram nas rivalidades internas entre os países (por exemplo, na desconfiança mutuamente alimentada entre Brasil e Argentina) ou nos obstáculos interpostos  pelo poder  imperial  sediado em Washington,  que jamais  aceitou qualquer  perspectiva  de real  independência  política e  econômica  dos países latino-  americanos. A forte influência da “Venezuela bolivariana” tende a ser encarada como um desafio pela Casa Branca.
Os termos em que são postos o debate esclarecerem, por si mesmos, a natureza estratégica do projeto. Independente dos interesses que motivam cada um dos países participantes, há muito mais em jogo do que as suas necessidades energéticas específicas. Ainda é cedo para especular sobre possíveis cenários futuros, mas é fácil adivinhar que o gasoduto modificará espetacularmente as relações políticas e econômicas entre os países sul-americanos, e do conjunto deles com os Estados Unidos e outros blocos internacionais.
Boletim Mundo n° 3 Ano 14

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