sábado, 31 de dezembro de 2011

Do Projeto Manhattan ao TNP

Bombas Atômicas  existem para assustar os que têm nervos frágeis”.
A frase célebre do ditador soviético Joseph Stalin foi pronunciada em setembro de 1946, treze meses depois dos bombardeios nucleares americanos de Hiroshima e Nagasaki e durante o desenvolvimento das crises diplomáticas que conduziriam à eclosão da Guerra Fria, no início de 1947. A União Soviética ainda precisaria de três anos para realizar o primeiro teste da sua bomba atômica, em 29 de agosto de 1949, e Stalin pretendia enviar uma mensagem de firmeza a Washington, assegurando que não se intimidaria diante do monopólio nuclear americano.
Hiroshima e Nagasaki representaram o ponto de chegada de um esforço científico e tecnológico iniciado pelos Estados Unidos em 1939, quando começou a guerra na Europa, com a instalação do Comitê do Urânio. O temor de que a Alemanha alcançasse antes a bomba, propagado pelos britânicos, não tinha fundamento mas serviu para transformar o pequeno comitê no colossal Projeto Manhattan. Sob a direção científica do físico Robert Openheimer, o programa construiu o artefato detonado no primeiro teste nuclear da história, em Alamo gordo (Novo México), em 16 de julho de 1945, e as bombas que provocaram a rendição japonesa.
A incineração em massa de civis que marcou o início da era nuclear e o medo de um futuro no qual a União Soviética também teria armas atômicas levaram Washington a elaborar o Plano Baruch, uma proposta que continua, até hoje, a suscitar interpretações divergentes. Apresentado na primavera de 1946 por Bernard Baruch, representante americano na ONU, o plano propunha o banimento das armas atômicas e o controle do uso pacífico da energia nuclear, no mundo inteiro, por uma autoridade subordinada à ONU. Os Estados Unidos dispunham-se a entregar suas armas atômicas a essa autoridade, para serem destruídas, mas exigiam que todos os países concordassem com um rígido sistema de inspeções internacionais.
Stalin zombou das armas atômicas justamente ao anunciar a sua recusa do Plano Baruch. Os soviéticos estavam a caminho da bomba, não acreditavam na imparcialidade da ONU e sabiam que, do ponto de vista dos Estados Unidos, a posse monopolista da tecnologia das armas nucleares bastava para reconstituir, em pouco tempo, o arsenal ao qual se dispunham a renunciar. A “corrida nuclear” começa na hora do fracasso do Plano Baruch. Os Estados Unidos devotam somas vultosas à construção de artefatos e a União Soviética acelera seus esforços para tornar-se uma potência nuclear.
Sob o impacto da “corrida nuclear”, em dezembro de 1953, o presidente americano Dwight Eisenhower dirigiu-se à ONU para propor negociações diretas entre as grandes potências, com vistas ao uso pacífico do átomo. Esse discurso – o “Átomos pela Paz” – continha a idéia original de uma agência internacional para controlar a difusão da tecnologia nuclear. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi estabelecida em 1957, com sede em Viena (Áustria). Ela é uma agência especializada da ONU e funciona como um fórum de cooperação para reduzir a insegurança nuclear.
A Grã-Bretanha participou das pesquisas do Projeto Manhattan e tornou-se uma potência nuclear em 1952, ao explodir seu primeiro artefato. O teste inicial da França aconteceu em 1960 e, anos depois, o país se retirou do comando militar unificado da OTAN para manter sob controle nacional seu arsenal nuclear, impedindo que ele ficasse subordinado a um general americano. A China, para surpresa dos serviços de inteligência ocidentais, fez seu teste nuclear pioneiro em 1964.
Esse ciclo inicial de proliferação evidenciou os riscos de difusão descontrolada de bombas atômicas, que converteria conflitos localizados em potenciais guerras nucleares.
Diante dessa ameaça, as duas superpotências nucleares articularam-se em defesa da proposta de um tratado geral destinado a interromper a busca dessas armas por outras nações. O Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) foi firmado em 1968 e entrou em vigor dois anos depois. O texto original do tratado previa a sua vigência por 25 anos. Em 1995, ele foi estendido indefinidamente.
Contando atualmente com 188 Estados signatários, o TNP é um compromisso assimétrico, que separa os Estados em duas categorias: as cinco potências nucleares oficiais (Estados Unidos, Rússia, China, Grã- Bretanha e França) e os Estados não-nucleares. Nos seus termos, os que não têm prometem jamais ter, em troca de uma vaga declaração dos que têm segundo a qual um dia deixarão voluntariamente de ter. Os Estados não-nucleares submetem-se, além disso, a um rigoroso regime de inspeções de suas instalações nucleares destinadas a fins pacíficos, que são de responsabilidade da AIEA. O não cumprimento dessas obrigações sujeita os infratores a sanções econômicas ou políticas, a serem impostas pela ONU.
O TNP não é uma longa declaração vazia. Ele foi capaz de forçar alguns Estados a renunciarem às armas nucleares.
A África do Sul, talvez com assistência israelense, conduziu um programa nuclear nos anos 70 e possivelmente realizou um teste no Atlântico em 1979, mas assinou o tratado em 1991 e destruiu seu pequeno arsenal. As repúblicas da antiga União Soviética entregaram seus arsenais à Rússia, após a desagregação da superpotência comunista. No outro pólo, os cinco Estados do “clube nuclear” assinaram, em 1996, o Tratado de Banimento de Testes Nucleares, que proíbe todos os testes de campo com armas atômicas.
Mas o TNP não conseguiu evitar a proliferação, na Índia, no Paquistão e em Israel. Hoje, sob o impacto dos programas da Coréia do Norte e do Irã, ele vive a mais profunda crise da sua história.

Boletim Mundo n° 6 Ano 14

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