domingo, 18 de dezembro de 2011

CULTURA DO TERROR

José Arbex Jr.

11 de Setembro de 2001: cenas impressionantes de terror paralisam Nova York e Washington, e comovem o mundo, novamente atormentado por imagens de milhares de inocentes mortos como conseqüência de uma guerra suja, travada em nome de objetivos obscuros. Cenas semelhantes, em outros contextos e proporções, se repetem em Madri (11 de março de 2004) e Londres (7 de julho de 2005).
Julho – agosto de 2006: novamente o mundo é contemplado  com cenas de centenas de crianças e civis mortos, agora no sul do Líbano, sob pesados bombardeios do exército de Israel, o quarto mais poderoso do mundo.
Nos primeiros três dias, morrem pelo menos 300 civis, um terço dos quais crianças com menos de 12 anos. Em um mês, mais de um milhão de libaneses são obrigados  a deixar suas casas, muitas das quais reduzidas a escombros.
A cifra dos mortos constatados eleva-se a mais de mil civis, teme-se que milhares estejam enterrados por pilhas de tijolos e ferro retorcido.
O terror, quaisquer que sejam os seus autores, pretextos e pretensas justificativas, parece não mais ter fim. Não que a prática do terror, em si mesma, tenha surgido como algo novo na história da humanidade. A única “novidade”, no caso, são as proporções atingidas, e a sua banalização como algo inscrito na vida política. Tornou-se “normal”, “natural”, “inevitável”, ou então um “efeito colateral” de ações de guerra empreendidas por estados.
As proporções atingidas pelo terrorismo só podem ser compreendidas como o sintoma de uma época. O terrorismo contamina o ambiente da civilização contemporânea, atravessa os discursos e as linguagens do cotidiano.
Sua prática não surgiu repentinamente no cenário mundial, nem foi invenção de fundamentalistas islâmicos, como propagam os veículos de comunicação. Ao contrário, ele é um legado de uma longa história de violência, autoritarismo e intolerância. Apenas para ficarmos no século XX, basta lembrar que o estopim da Primeira Guerra foi o assassinato, em 1914, do arquiduque Francisco Ferdinando pelo estudante Gavrilo Prinzip, membro do grupo sérvio Mão Negra.
Mas, até os anos 20, o terrorismo era um fenômeno muito localizado, de dimensões relativamente pequenas, transitórias e restritas. Ele começou a ganhar maior importância com o surgimento dos regimes totalitários de Josef Stálin e Adolf Hitler. Já no final da década de 1920, Stálin enviava aos campos de concentração centenas de milhares de opositores a seu regime. Milhões de camponeses foram executados por resistirem à coletivização de suas terras, entre 1929 e 1932. Na Alemanha dos anos 30, Hitler iniciou a perseguição aos comunistas, judeus, ciganos e a outras minorias. Até o final da Segunda Guerra, em 1945, seriam assassinados, em campos de concentração, 6 milhões de seres humanos, a maioria integrada por judeus, pela máquina nazista.
O totalitarismo deu uma nova dimensão ao terror.
Pela primeira vez na história, a máquina do Estado era colocada a serviço de ideologias que propunham a eliminação total dos adversários. Na União Soviética de Stálin e na Alemanha de Hitler, qualquer indivíduo poderia ser preso e executado a qualquer momento, por absolutamente qualquer motivo. Ao analisar essa situação, o filósofo alemão Theodor Adorno concluiu que o advento do totalitarismo tornou impossível fazer poesia. Não estava, obviamente, referindo-se a uma impossibilidade técnica (qualquer um pode compor versos), mas à perda de sentido da cultura. Qual a serventia da arte e da produção intelectual, se foram incapazes de impedir o surgimento do nazismo? A cientista política alemã Hannah Arendt iria proclamar que a humanidade havia banalizado o Mal.
Na primeira metade do século XX, pelo menos 150 milhões de pessoas haviam morrido em guerras, revoluções e conflitos localizados. Na segunda metade, marcada pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, a humanidade foi obrigada a conviver com o horizonte de um possível holocausto nuclear, cujo emblema foi a destruição, em agosto de 1945, de Hiroxima e Nagasáqui - o maior atentado terrorista já praticado por um Estado contra a população civil de outro.
O poder nuclear demonstrado pelos Estados Unidos no Japão e acumulado pelas potências nas décadas da Guerra Fria – período caracterizado, não por acaso, como de “equilíbrio do terror” - causou uma mudança muito importante na mentalidade das pessoas. A política e o diálogo haviam perdido sua razão de ser, já que o número de ogivas nucleares falava mais alto do que qualquer debate.
O clima político e cultural era, obviamente, propenso à formação de grupos terroristas, cuja atividade atingiu o auge nos anos 70, quando também era intensa a atividade da guerrilha. Várias organizações terroristas tiveram como origem grupos  guerrilheiros. Há uma clara distinção entre ambos. A atividade guerrilheira pressupõe um  certo diálogo entre os militantes e a população civil, ao passo que o terror elimina qualquer tipo de conversação.
Os guerrilheiros querem convencer as pessoas; os terroristas se colocam à margem da sociedade. Os guerrilheiros querem ganhar simpatias; os terroristas impõem  o medo. A guerrilha, em geral, era formada por grupos que realizavam ataques contra objetivos militares e alvos estratégicos. Eles procuravam formar seus próprios exércitos e, eventualmente, tomar o poder, como em Cuba (1959) e Nicarágua (1979).
Embora tenham muita coisa em comum quanto aos métodos utilizados, os grupos terroristas não são todos iguais. Cada um tem a sua própria lógica, história e objetivos.
A linguagem do terror foi adotada por grupos religiosos, que praticam seus atentados em nome de Deus; por mercenários, que recebem dinheiro por suas ações; por nacionalistas, que acreditam lutar pelo ideal patriótico; e, ainda, por ideólogos, que armam bombas em defesa de uma determinada visão de mundo. E há o terror de Estado, que sempre alega “razões de segurança nacional” ou “defesa da soberania” para justificar a matança indiscriminada de civis.
O fim da Guerra Fria não aboliu a cultura do terrorismo que ela sedimentou. Ao contrário. A lógica da força bruta prevalece, como demonstra, melancolicamente, o fracasso da Organização das Nações Unidas, permanentemente desafiada pelo poderio militar e político dos Estados Unidos. Osama Bin Laden e George Bush, em síntese, são duas faces de uma mesma moeda. E a humanidade paga o preço em sangue e lágrimas.

História e Cultura n° 5 Ano 2

Nenhum comentário:

Postar um comentário