O interesse israelense em manter uma sociedade baseada em padrões culturais judaicos – com eixo em uma maioria judaica permanente – implica abandonar as pretensões sobre o conjunto do território palestino e retirar-se a fronteiras essencialmente semelhantes aos limites anteriores à guerra de 1967”. A conclusão, de Sergio Della Pergola, o mais conhecido demógrafo israelense, parece reforçar a recente decisão do primeiro-ministro Ariel Sharon, de retirar suas tropas de forma unilateral da Faixa de Gaza.
Vamos aos números: em 2000, Gaza contava com cerca de 1,12 milhão de habitantes (dos quais, apenas seis mil colonos judeus), com Israel somando 6,3 milhões de habitantes, 5,1 milhões dos quais, judeus. De acordo com projeções moderadas, em 2050, Gaza teria 5,14 milhões de habitantes, praticamente todos árabes. A Cisjordânia, sob ocupação israelense, teria nessa hipótese 6,4 milhões de habitantes. Na soma, os palestinos seriam quase 11,5 milhões nos dois territórios, com Israel alojando 11,9 milhões de habitantes. Só que mais de três milhões de cidadãos israelenses seriam árabes não-judeus.Mesmo com a saída de Gaza, então, o fenômeno demográfico coloca em xeque o projeto do Estado Judeu, uma vez que, sem um acordo definitivo de paz baseado na retirada (total ou parcial) israelense da Cisjordânia, na criação de um Estado palestino e numa solução negociada para Jerusalém, Israel teria que conviver com uma sólida minoria não-judaica em Israel.
O ponto central dessa bomba demográfica está na diferença entre as taxas de fertilidade das populações judaica e palestina na região. Entre 1995 e 2000, o número médio de filhos dos casais judeus israelenses girava em torno da metade daquele dos muçulmanos de Israel ou dos habitantes da Cisjordânia e de um terço daquele dos moradores da Faixa de Gaza. Grosso modo, essas diferenças refletem as desigualdades de renda das famílias .
Além das diferenças atuais na taxa de fertilidade, a instabilidade política histórica provocou diversos solavancos migratórios que modificaram profundamente a estrutura demográfica regional. Em 1800, a população dos territórios que hoje formam Israel, a Cisjordânia, Gaza e Jerusalém, somava apenas 275 mil habitantes. Eram 500 mil em 1890, dois milhões em 1947 e nove milhões em 2000. Só entre 1947 e 2000, a população regional cresceu 4,7 vezes.
Há três fontes principais dos solavancos demográficos recentes. A Segunda Guerra Mundial (1939-45) provocou a imigração de centenas de milhares de judeus europeus, sobreviventes do massacre nazista, para o embrião do Estado Judeu na Palestina britânica. A independência de Israel, em 1948, acarretou a fuga ou expulsão de cerca de 700 mil árabes palestinos. A crise e implosão da União Soviética, no fim da década de 80, deflagrou a migração de cerca de um milhão de judeus e de quase 150 mil parentes não-judeus rumo a Israel. Entre 1948 e 2000, aportaram em território israelense cerca de 2,85 milhões de judeus de quase 200 países diferentes.
O quadro instável faz com que os estudiosos apresentem cenários muito diferentes para o futuro demográfico da região. A imigração de judeus para Israel reduziu-se abruptamente nos últimos anos. A continuidade da situação de guerra não-declarada entre Israel e os palestinos pode, por exemplo, reduzir as perspectivas de estabilidade econômica – que, em tese, leva a um maior desenvolvimento e à conseqüente redução das taxas de natalidade.
Essa tensão constante também tende a reforçar a pregação dos grupos fundamentalistas religiosos – muçulmanos e judeus – que coincidem em defender famílias grandes, como forma de enfrentar o “inimigo”. Note-se que, entre os judeus, as taxas de fertilidade em Jerusalém oscilam de 1,4 filho por casal, nas famílias não-religiosas, a 6,5 filhos, nas famílias fundamentalistas. Na mão oposta, um acordo definitivo de paz poderia levar à imigração para a região de centenas de milhares de palestinos e de judeus que vivem em outros países.
Assim, as previsões de Sergio Della Pergola para os números da população de Israel em 2050 oscilam entre 9,4 e 14,8 milhões de habitantes (média de 11,9 milhões), com uma população judaica variando de 7,3 a 10,4 milhões (média de 8,8 milhões). No caso dos palestinos da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém, incluindo também os árabes de cidadania israelense, as previsões são muito mais elásticas: vão de seis a 21,7 milhões de habitantes, com média de 11,6 milhões.
Seja qual for o desdobramento do conflito na região, a demografia apresentará um desafio comum a todos: o crescimento da densidade populacional. Em 2000, Israel apresentava taxa de 293 habitantes por km2, diante de 335 hab./km2 na Cisjordânia e impressionantes 2.384 hab./km2 na Faixa de Gaza. A prevalecerem as previsões moderadas, essas taxas crescerão para 549 hab/km2 em Israel, 1.165 hab/km2 na Cisjordânia e assustadores 13.614 hab/km2 em Gaza. Pode-se imaginar o que isso representará em termos de necessidade de geração de empregos, provisão de alimentos e pressão sobre os recursos naturais escassos, como a água, com ou sem a paz.
Sergio Della Pergola conclui seu estudo Demografia em Israel/Palestina – Desafios, Perspectivas e Implicações Políticas com uma previsão inquietante. Ele avalia que, sejam ou não israelenses e palestinos capazes de alcançar uma paz definitiva, tudo indica que o componente explosivo da demografia levará todas as comunidades a reforçarem mais e mais suas características culturais e, possivelmente, religiosas. O que tornaria a integração ainda mais difícil.
Ao analisar o futuro de Israel, o pesquisador indica que a bomba demográfica sempre colocará a população judaica em desvantagem, fazendo com o que a sobrevivência do Estado, tal como é definido pelo sionismo, dependa não apenas de uma maioria de cidadãos judeus mas também da convivência e do estabelecimento de direitos plenos para a minoria árabe. A idéia seria diferenciar de forma definitiva a cidadania israelense da origem judaica. Della Pergola coloca também o futuro do equilíbrio geopolítico da região na dependência de que um Estado Palestino seja capaz de garantir direitos semelhantes a uma eventual minoria judaica.
Boletim Mundo n° 6 Ano 13
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