Anunciado acordo ortográfico no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa desperta polêmicas e paixões.
Atualmente a língua portuguesa é falada por 240 milhões de pessoas, é a 3ª língua mais falada no ocidente e a 6ª em número de falantes no planeta. Esta identidade lingüística é dividida por 8 países, a saber: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. É natural que a língua seja um dos principais fatores de união entre povos, é através dela que dividimos o conhecimento, e que compreendemos o mundo.A ministra da Cultura de Portugal e professora catedrática da Faculdade de Letras do Porto, Isabel Pires de Lima, sintetiza em um de seus textos publicados no Jornal de Letras de Lisboa, a importância da língua para o indivíduo e para um povo: “As mais elevadas capacidades intelectuais humanas só podem ser exercidas e exercitadas mediante o domínio pleno de um idioma, normalmente o materno. Do uso que fazemos da Língua, depende, em absoluto, a nossa capacidade de organizar o pensamento, de comunicar idéias, de expressar opiniões, entender conceitos, descodificar problemas, verbalizar sentimentos, compreender o outro. E ainda de nos inserirmos socialmente numa determinada comunidade, acedendo às suas regras, aos seus valores, à sua cultura”.
Este importante patrimônio que é a língua possui formas diferentes de pronúncia e de escrita, consoante ao país onde é utilizada. A língua portuguesa possui duas ortografias distintas, a utilizada por Portugal e pelos países africanos, e a brasileira.
Desde o início do século XX, filólogos, intelectuais, profissionais da escrita e políticos, tentam criar um acordo ortográfico para língua portuguesa. O principal objetivo é fazer com que os países de língua portuguesa utilizem uma mesma maneira e escrever as palavras, por meio de ajustes realizados nas grafias do português sul-americano e europeu.
Existe uma grande distância entre a assinatura de um acordo e sua implementação; as alterações mobilizam dimensões históricas, políticas, ideológicas e econômicas.
Traz à tona questões ligadas à afirmação de identidade cultural, hegemonias, conflitos de cultura, produção gráfica de livros e periódicos e especialmente dicionários.
É importante ter em mente que existem especialistas brasileiros e portugueses a favor do acordo, mas existe um número ainda maior de opiniões desfavoráveis a tal simplificação.
Antônio Houaiss (1915 – 1999) foi um dos maiores estudiosos brasileiros da língua portuguesa, antigo presidente da Academia Brasileira de Letras e Ministro da Cultura, além de principal negociador do acordo ortográfico. Ele escreveu: “Portugal, Brasil e os cinco países africanos de língua portuguesa reconhecem que a inexistência de uma única ortografia oficial traz não apenas dificuldades de natureza lingüística, mas também de natureza política. Daí o esforço desses países em efetivar o novo acordo”. Na época, intelectuais portugueses encaminharam um abaixo-assinado ao presidente e primeiro ministro de Portugal, que dizia: “A língua tem como proprietários os seus utentes e não meia dúzia de sábios com direito a definir que Portugal escreva como o Brasil e vice-versa.”
Contra o mau sucedido acordo ortográfico de 1986, foi constituído o “Movimento Contra o Acordo Ortográfico em Portugal”, composto por intelectuais portugueses, entre eles a catedrática portuguesa e historiadora da gramática, Maria Leonor Buescu (1932-1999), que defende a diversidade e não a homogeneização: “Eu lamento que o esforço de análise, quase diria laboratorial, dos primeiros ortografistas portugueses venha agora a ser deitado para o lixo. Em 1536, o primeiro anotador da língua, Fernão de Oliveira, reconhece já que as letras do alfabeto não chegam por si próprias, para expressar a enorme riqueza sonora da língua e chega a propor a utilização de vogais gregas.”
Harmonização ortográfica, pasteurização da língua, desacordo ortográfico, “golpe de estado” lingüístico, são formas, muitas vezes irônicas, de apelidar o polêmico documento. Alguns acreditam que se o acordo for ratificado por todos os países que falam português, irão desaparecer algumas das barreiras mais importantes que ainda existem em África contra a penetração brasileira. Nos países africanos é a ortografia portuguesa que se encontra profundamente enraizada, afinal é nela que sempre foi processada a criação cultural escrita; é nela que se faz a aprendizagem escolar; é nela que fundamentalmente se continua a escrever.
Sem sombra de dúvida o Brasil iria lucrar no aspecto comercial com a adoção do novo acordo por parte dos países Africanos, por intermédio de seu massivo e dinâmico mercado editorial que produz 400 milhões de livros por ano, e porventura com seus professores ensinando na África. Neste aspecto, Portugal não só se distanciaria culturalmente de suas ex-colônias africanas, mas também comercialmente.
Com um universo tão grande de possibilidades e conseqüências – muitas delas ainda não imaginadas –, Portugal se retrai e defende o período de 10 anos para implementar a última versão do acordo de 1990. Em oposição está o Brasil, que tem todo o interesse em ver o maior número de pessoas utilizando às novas grafias, e já prepara a modificação da atual ortografia com a licitação dos livros didáticos até o fim deste ano. A analogia do jornalista e escritor português Miguel Esteves Cardoso faz com que avaliemos o real sentido de toda esta polêmica, “Se o Brasil e Portugal são países irmãos como são os EUA e o Reino Unido, e se a ortografia é uma ‘epiderme’, por que é que há de passar pela cabeça de alguém torná-las gêmeas através da cirurgia plástica de um acordo? Irmãos não basta?”
Cronologia das uniões e das divisões ortográficas
1904 Aniceto dos Reis Gonçalves Viana publica em Lisboa a ortografia nacional, estudo que simplifica a ortografia da língua portuguesa.
1910 A Academia Brasileira de Letras adota uma simplificação ortográfica, mas como não tem obrigatoriedade legal, tem pouca repercussão no Brasil e nenhuma em Portugal.1911 O governo português nomeia uma Comissão para tratar da reforma ortográfica.
1919 O Brasil volta a escrever com “ph” e “ch”, a pedido de Osório Duque Estrada, autor da letra do Hino Nacional.
1931 Firmado um instrumento de acordo entre a Academia das Ciências de Lisboa e a ABL para a unidade ortográfica.
1934 Após a Revolução Constitucionalista de 1932, Getúlio Vargas lança a Constituição em 1934, que extingue o acordo de 1931.
1943 Adotada a primeira convenção ortográfica entre Brasil e Portugal.
1945 Conferência Inter-acadêmica de Lisboa faz com que o governo português adote oficialmente o sistema acordado, praticado até os dias de hoje. O Brasil por sua vez, não obteve aprovação do Congresso Nacional, ficando desta forma com a ortografia e com o vocabulário ortográfico da ABL de 1943.
1971 O governo brasileiro, sob o comando do general Médici, abole o acento circunflexo e parte do uso dos tremas.
1986 Encontro dos sete países de língua portuguesa na ABL estabelece um acordo de unificação ortográfica que, por sua relativa radicalidade, principalmente em matéria de acentuação gráfica e de emprego do hífen, sofre muitas críticas, sobretudo em Portugal.
1990 A Academia de Ciências de Lisboa convoca um encontro homólogo com propostas de modificações na redação das inovações, para as quais todos os países dão suas aprovações. O acordo é assinado pelos representantes executivos dos sete países, contudo sua ratificação não aconteceu.
1998 Novo encontro entre os países para alteração no acordo com a criação do 1º protocolo modificativo, ratificado por Brasil e por Portugal somente.
2004 Acontece a Cúpula da CPLP em São Tomé e Príncipe e aprova-se um 2º protocolo modificativo, com o objetivo de acelerar a entrada em vigor do acordo.
Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificam o protocolo, desta forma o acordo pode ser implementado por todos os oito países membros da CPLP.
Breve história da CPLP
Atualmente observamos em todo o mundo, uma clara tendência nos países em se organizarem em blocos, comunidades e uniões. Interesses e objetivos comuns fazem com que os países se associem e a língua pode ser um destes. Em 1996 o Brasil criou juntamente com os países de língua portuguesa, a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que naquela época eram sete, pois Timor-Leste ainda pertencia a Indonésia.As finalidades principais da CPLP, atualmente sob a presidência rotativa da Guiné- Bissau, são: concertação político diplomática; defender e promover a língua portuguesa na Lusofonia; mediar crises institucionais e políticas; e desenvolver cooperação técnica através das reuniões setoriais. A CPLP também possui uma vertente comercial onde existe um conselho, mas isto é algo independente, pois não é um órgão oficial.
Em entrevista ao Mundo, o embaixador do Brasil junto a CPLP, Lauro Moreira, diz quais são suas expectativas para o futuro da comunidade: “Você tem dois países que se destacam, que são Brasil e Portugal. Em África, países com crescimento rápido como Angola e Moçambique, seguido por Cabo Verde, um país organizado. E existem países incipientes institucionalmente, como é o caso de Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Não podemos esperar nada do outro mundo. Tenho a sensação que os primeiros 10 anos foram os mais difíceis, acho que daqui para adiante, o processo de integração tende a acelerar. Os ganhos dos países africanos é enorme, Portugal se fortalece junto à União Européia, e o Brasil se integra ainda mais em África”.
História e Cultura n°6 Ano 3
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