A União Européia(UE) comemorou, no mês de março, o 50º aniversário da assinatura dos Tratados de Roma, origem do processo de unificação do continente. Inicialmente, a integração ficou restrita às margens do Atlântico Norte e ao Mediterrâneo francês e italiano. Nas décadas seguintes, a associação espalhou-se, atingindo o mar do Norte, o Mediterrâneo que banha a Espanha, Portugal e Grécia, alcançando também o Báltico. Em 2007, chegou ao mar Negro, com o ingresso da Romênia e da Bulgária. Hoje, reúne 27 países membros, dos quais quase metade era de países pertencentes, até 1989, ao antigo bloco comunista europeu. Os comunitários totalizam quase 500 milhões de habitantes, que professam diferentes religiões (católicos, protestantes, ortodoxos, islâmicos, judeus, etc.), além daqueles que se definem como ateus ou agnósticos.
Foi justamente a questão religiosa que provocou duras críticas do Vaticano contra as celebrações pelos cinqüentas anos.O papa Bento XVI manifestou contrariedade pelo fato das autoridades da EU omitirem Deus e as raízes cristãs do continente na declaração oficiais. Num discurso durante o encontro da Comissão Episcopal da Comunidade Européia (Comece) - que reuniu em Roma, de 23 a 25 de março, mais de 400 participantes – lamentou que a “A Europa parece ter perdido a fé”. Também denunciou “todas as formas de apostasia” que caracterizam o Velho Continente nos nossos dias, e que o levam a “duvidar da sua própria identidade”.
Esses choques entres as posições laicistas das autoridades da UE e o Vaticano não são novidade. Durante os trabalhos para a elaboração da Constituição européia, a cúpula da Igreja Católica pressionou para que no preâmbulo figurassem os valores cristãos como elementos fundacionais da civilização européia (documento “Ecclesia in Europa”, papa João Paulo II, 28 de junho de 2003). A reivindicação do clero católico não foi atendida, a Carta da União Européia apresenta de maneira muito genérica a herança religiosa européia, sem especificar o cristianismo.
(“Inspirando-se no patrimônio cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de Direito”). O dogma católico que ensina que todos os filhos da Igreja são membros de um mesmo corpo e que devem ser obedientes aos mandamentos do Sumo Pontífice já não sensibiliza tantos europeus como gostaria o Vaticano. Joseph Ratzinger, (papa Bento XVI), que presidiu por quase 25 anos a Congregação para a Doutrina da Fé, antiga Inquisição, é considerado um “Guardião do Dogma”, pelas suas posturas firmes na defesa do que considera os verdadeiros valores cristãos. O problema é que questões como o direito ao aborto, as novas estruturas da família, a afirmação da homossexualidade, o direito a eutanásia e as pesquisas sobre células-tronco, entre outras, se converteram em temas de permanente enfrentamento entre a Igreja Católica e setores da sociedade civil dos países desenvolvidos, especialmente na Europa. Reverter essa perda de influência tem sido uma das maiores preocupações do primeiro pontífice alemão desde a Idade Média.
Foi exatamente no medievo, em particular entre os séculos XI e XIII, que o cristianismo viveu seu apogeu e a Igreja Católica o seus anos de maior triunfo. Numa Europa fragmentada politicamente em pequenos poderes locais e isolados, o único poder centralizado e com pretensões universalistas era o da Igreja. O papado era organizado como um verdadeiro Estado monárquico supranacional, disputando a hegemonia européia com os demais monarcas. Os teólogos forneciam uma sólida base espiritual e doutrinal. Os pregadores e as ordens mendicantes mantinham vivo o fervor religioso. Para praticamente toda a população européia, fora da Igreja não era possível a existência de poder, de pensamento e, principalmente, da salvação. Os príncipes rebeldes eram excomungados e depostos. Os hereges eram perseguidos e massacrados. Os infiéis eram combatidos. A Igreja expressava a totalidade do mundo. A imposição de sua dominação teológica -política sacralizou o mundo secular, dando a ele sua justificação ideológica de imutabilidade. Não é a toa que as terras que hoje chamamos de Europa eram denominadas de cristandade.
O processo de descristianização e laicização do mundo ocidental foi bastante lento e só pode ser medido a partir da análise dos processos de longa duração.
Na maior parte do tempo e para a quase totalidade dos homens, ele foi muito mais vivido do que elaborado.
Não foi de todo imposto por qualquer autoridade política, apesar de algumas tentativas. A corrosão teve um caráter espontâneo, nem sempre barulhento, saído das próprias mutações da sociedade.
A paganização dos costumes e das mentalidades foi influenciada pela evolução da industrialização, pelo processo de urbanização e o conseqüente desenraizamento do meio rural, assim como o foi também pelo aprimoramento dos meios de comunicação, pela revolução nos transportes, pelas correntes migratórias e pela mobilidade social.
Tudo isso modificou radicalmente a relação do homem com a religião e gerou vários conflitos entre os defensores da manutenção dos privilégios da Igreja e aqueles que viam nos padres a expressão do obscurantismo.
O papa Bento XVI parece sentir saudades da Idade Média. Para sua infelicidade, a maioria dos europeus prefere olhar para o século XXI.
História e Cultura n° 3 Ano 3
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