Roberto Candelori
O Tema da “segurança energética” ocupa lugar estratégico na agenda do século XXI.
As reservas de recursos naturais e o acesso às fontes de energia são elementos essenciais na definição da política externa das grandes potências. Basta observar que a invasão do Iraque e a implantação de bases militares americanas na Ásia Central, perpetradas em nome da luta contra o terror, escondem óbvios interesses econômicos e energéticos. No tabuleiro da geopolítica global da energia, uma peça crucial é a Rússia, detentora da maior reserva de gás natural do planeta e da oitava maior reserva comprovada de petróleo.Em números: as jazidas russas correspondem a quase 30% das reservas comprovadas de gás natural do mundo. Hoje, a as exportações russas atendem a um quarto do consumo de toda a Europa. No caso do petróleo, a Rússia disputa com a Arábia Saudita a posição de maior exportador do chamado “ouro negro”, principal fonte energética mundial, que responde por 43% da energia total consumida no planeta.
A produção de petróleo russa alcançou em 2004 a cifra de 8,4 milhões de barris/dia e já começa a desafiar a liderança da Arábia Saudita. Moscou investe maciçamente no aumento da produção e procura garantir um lugar de destaque na corrida aos recursos energéticos da Ásia Central. Nessa região, na borda do Mar Cáspio, cercado, além da Rússia, por Irã, Azerbaijão, Cazaquistão e Turcomenistão, encontram-se imensas reservas de petróleo e gás natural.
A escalada dos preços do barril de petróleo, cuja cotação ultrapassou a casa dos US$ 60 no final de 2005, proporciona rendas extraordinárias à economia russa e, ao mesmo tempo, aumenta o peso da Rússia na geopolítica global da energia.
Vladimir Putin, o presidente russo, revela nítida consciência da importância dos recursos energéticos na estabilização política do seu país.
A derrocada da União Soviética, em 1991, lançou a Rússia num turbulento processo de reformas, conduzido por Boris Yeltsin. No lugar de uma economia planificada, com indústrias e fazendas sob controle do Estado, os novos mandatários engajaram-se num programa selvagem de privatizações. A economia de mercado renascia na Rússia sob as roupagens de um capitalismo de máfias, baseado em empresas monopolistas controladas pelos novos magnatas.
Traumática, a transição econômica provocou hiperinflação, recessão e desemprego em massa. No final da década de 90, a Rússia converteu-se no núcleo de uma crise financeira internacional, que a obrigou a suspender o pagamento da dívida externa e mergulhou o país no caos econômico.
Em meio à tormenta, o poder mudou de mãos. Yeltsin renunciou e passou interinamente o comando para Putin, um ex-espião da KGB, o antigo serviço secreto soviético. Determinado a recolocar a Rússia no cenário geopolítico mundial, o “novo czar” elegeu-se presidente em 2000 e adotou um modelo pragmático de governo: buscou a modernização do país, mesclando liberdade econômica com autoritarismo político. Passou a controlar os meios de comunicação, por meio de ameaças e chantagens, e perseguir politicamente aqueles que ameaçam sua hegemonia. Reeleito em 2004, ele direciona sua artilharia pesada para o controle estatal dos setores estratégicos ligados à energia, principalmente o gás e o petróleo.
Na Guerra Fria, a hegemonia de Moscou resultava do seu poderio militar. Atualmente, o que sobrou do poder geopolítico russo obedece a lógica de um novo paradigma: a energia torna-se o centro das ambições estratégicas do país-continente.
Na Rússia de Putin, os magnatas devem se contentar com a riqueza, sem almejar influência política. O caso Khodorkovsky ilustra a regra. Dono de uma fortuna avaliada em US$ 8 bilhões, magnata do petróleo e presidente da companhia Yukos, Mikhail Khodorkovsky foi preso sob acusações de fraude e sonegação fiscal em outubro de 2003. A sua prisão, segundo observadores, ocorreu porque ele era, potencialmente, uma ameaça política ao presidente Putin. Suspeita-se que o presidente da Yukos financiava partidos de oposição ao Kremlin. Claramente, o Estado russo está determinado a retomar o controle do setor petrolífero.
Na Rússia de Putin, as contestações regionais ao poder de Moscou são tratadas a ferro, fogo e sangue. O exemplo é Beslan. Numa violenta ação ocorrida naquela cidade da Ossétia do Norte, em setembro de 2004, extremistas muçulmanos da Chechênia que lutam pela secessão ocuparam uma escola e tomaram centenas de reféns. Empenhado em garantir a hegemonia russa no Cáucaso, onde se localizam as rotas de gasodutos em direção ao Ocidente, Moscou ordenou a invasão do local e a execução sumária dos terroristas.
A ação causou a morte de mais de 350 pessoas, na maioria crianças.
Na Rússia de Putin, energia é arma estratégica e diplomática. Prova disso foi a “guerra do gás”. Em janeiro, a gigante estatal russa Gazprom cortou o fornecimento de gás para a Ucrânia, a fim de forçar um aumento de preço, de US$ 50 para US$ 220 por mil metros cúbicos. A Ucrânia protestou, lembrando a vizinha Belarus, cujo governo é fiel a Moscou, não foi submetida ao aumento de preços. Parece evidente que Putin utilizou o monopólio estatal do gás e a dependência energética do vizinho para disciplinar o governo pró-ocidental de Viktor Yushchenko, presidente da Ucrânia.
Separados no tempo e aparentemente distintos, esses episódios revelam uma lógica inflexível: a manutenção da hegemonia de Moscou no interior da Comunidade de Estados Independentes (CEI) e a busca de um papel mais ativo para a Rússia pós-soviética no novo panorama mundial.
Boletim Mundo n° 2 Ano 14
Nenhum comentário:
Postar um comentário