Os franceses cumpre lembrar, não criaram apenas o cinematógrafo, aparelho em torno do qual se ergueu o mercado cinematográfico, mas foram também os pioneiros em explorá-lo comercialmente em escala global. Companhias francesas chegaram a invadir os EUA, na passagem do século XIX para o XX, como hoje empresas americanas invadem todos os cantos. Com o tempo, e duas guerras mundiais no meio, perderam o braço-de-ferro. Essa é uma história que os franceses – impondo limites à atuação americana no país –, tentam a duras penas reescrever.
Outra história, bem diferente, é a brasileira. O cinema chegou por aqui relativamente cedo, em 1896, meses depois da primeira sessão pública em Paris, mas veio desde o início como novidade que não nos pertencia, exceto na perspectiva de consumo. Circuitos de exibição foram montados nas primeiras décadas do século XX, e distribuidores instalaram-se aqui para abastecê-los de filmes que vinham da matriz – EUA, majoritariamente, e alguns países da Europa Ocidental.Nas primeiras três décadas de funcionamento do mercado brasileiro, o produto nacional ocupou sempre posição periférica, abalada ocasionalmente por sucessos pontuais de bilheteria.
Filmes, tanto para o público quanto para a imprensa, eram divertimento empacotado fora, resultado de conhecimento técnico e artístico que não se considerava ao alcance da nossa cultura e economia. Assim foi até que duas das figuras mais relevantes no desenvolvimento do cinema no país, o produtor Adhemar Gonzaga (1901-1978) e o diretor Humberto Mauro (1897-1983) protagonizaram um debate, na virada da década de 20 para a de 30, cujo ponto central era a busca de uma identidade própria para a produção brasileira.
Em linhas gerais: se os americanos (principalmente) e os europeus dominavam o cenário do filme de entretenimento, caberia aos realizadores brasileiros o papel de descobrir raia própria de atuação, compromissada com valores e abordagens que não se confundissem com os da produção industrial estrangeira. Radical, Canuto Mendes propôs que, em contraposição ao “mau cinema” (o de diversão, vindo de fora), se fizesse então o “bom cinema”, de caráter “educativo” e “regenerador”.
Não ultrapassamos ainda essa discussão, agora mais complexa diante das bem-sucedidas experiências populares da Cinédia (de Gonzaga) e da Atlântida, do fracasso do projeto industrial da Vera Cruz, do êxito do Cinema Novo, da ocupação recorde de mercado nos anos 70 e início dos 80, do “zeramento” da produção no governo Collor e da “retomada” que teve início em seguida, entre outros episódios.
A comunidade cinematográfica e sucessivos governos não chegam a um consenso a respeito de três alternativas: (a) a produção nacional deve lutar por espaço no mercado e, assim, usar as mesmas armas do similar estrangeiro; (b) deve buscar modelo próprio, mais comprometido com o debate e a reflexão; (c) ambas as opções anteriores, cabendo aos mecanismos de incentivo à produção, distribuição e exibição um modo de regular a co-existência entre esses dois mundos.
Prevalece, no momento, a terceira via – executada, entretanto, com movimentos duvidosos. A vertente de “ocupação”, por exemplo, é feita com base em políticas de renúncia fiscal que beneficiam não só empresas privadas nacionais, mas também grupos estrangeiros instalados no país, entre eles as distribuidoras americanas. O acesso ao bolo é restrito, deter minado, em boa medida, por diretores de marketing para os quais interessa associar a marca de sua corporação a atores de TV e temas leves. Do ponto de vista criativo, emerge daí um cinema que, calcado em desgastadas fórmulas industriais (os americanos são os primeiros a admitir isso), se torna às vezes mero pastiche. É o cinema que objetiva, em última instância, disputar o Oscar, sonho do primo pobre em ter dois minutos de fama na festa do primo rico.
E o “outro” cinema? Vive de passar o chapéu nas diretorias de marketing, em busca de migalhas que tenham restado, e de levantar verbas em concursos públicos. Com isso, consegue-se com muito esforço produzir, mas não distribuir e exibir de forma minimamente razoável; o circuito hoje é diminuto e elitizado, concentrado em shopping centers,habituando o público a uma dieta McDonald’s que não inclui vatapá ou feijoada. Costuma-se dizer que esses filmes não atraem público, quando na verdade o público nem sabe que eles existem. Mas qual “público”, cara-pálida?
Esse talvez seja o ponto: formação de novas platéias e expansão do circuito para que elas deixem de integrar, como hoje, o movimento dos sem-tela.
História e Cultura n° 1 Ano 2
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