sábado, 31 de dezembro de 2011

PANDEMIAS DIFUNDEM-SE NO RITMO DA GLOBALIZAÇÃO

José Arnaldo Favaretto e Helio Trebbi

Responda rápido: onde é fabricado seu iPod? Pois é! Desde que Napoleão colocou a burguesia a seu lado, o mundo só faz encolher. E, falando de um francês, lembramos de outro: o vinho Beaujolais.
Anualmente, na terceira quinta-feira de novembro, apreciadores do saboroso tinto francês no mundo todo abrem milhões de garrafas recém-chegadas do sul da Borgonha, a região produtora. O curioso é que, para degustá-lo comme il fault, o vinho deve sair da França na véspera! Simultaneamente, mais de 150 países recebem a safra do ano, o que é possível graças a uma verdadeira operação de guerra, de que participam milhares de produtores, despachantes, vendedores, compradores, aviões, caminhões etc. No intervalo de 12 a 24 horas, le Beaujolais est arrive a seus mercados consumidores e às taças de seus apreciadores all over the world.
Aí está uma das faces da globalização.
A economia mundializada fragiliza as fronteiras nacionais, tornando-as permeáveis ao dinheiro, matérias-primas e manufaturados.
Pelas fronteiras, também passam turistas, executivos, empresários, comerciantes, pilotos, comissários de bordo, soldados, pessoas em busca de trabalho e refugiados de guerras civis. Há algo, porém, que passa com mais facilidade pelos detectores de metal e pelos cães farejadores dos aeroportos: os micróbios.
O vírus da gripe aviária é o grande vilão atual, mas há inúmeros antecedentes históricos. No século XIV, a peste negra (denominação da epidemia que hoje sabemos ter sido a peste bubônica) matou 70% da população de muitas cidades européias. Duzentos anos depois, o “general varíola” auxiliou o conquistador espanhol Hernán Cortez a dizimar o império asteca. No mesmo século XVI, os navegadores portugueses “globalizaram” a sífilis. No início do século XX, a “espanhola” – como ficou conhecida uma devastadora pandemia de gripe – ceifou 20 milhões de vidas em todo o mundo, mais que o total dos mortos nas batalhas da Primeira Guerra Mundial (1914-18).
Exemplos de pandemias mais recentes são a Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida, que dispensa apresentações) e, já no século XXI, a Sars (severe acute respiratory syndrome ou síndrome respiratória aguda grave), uma forma de pneumonia de alta letalidade, que trouxe perdas econômicas e gastos estimados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em US$ 30 bilhões.
De tempos em tempos, surtos de febre aftosa transtornam a Europa. Os países afetados, bem como a própria União Européia, são obrigados a colocar a mão no bolso e acrescentar alguns milhões de euros aos bilhões já gastos anualmente em subsídios aos criadores de gado e aos agricultores do Velho Continente. Mas não é só no outro lado do Atlântico que o vírus da aftosa acarreta prejuízos. Recentes episódios em Mato Grosso do Sul e no Paraná fecharam o mercado mundial à carne brasileira, comprometendo nossa pauta de exportações.
Não foi a primeira vez; por certo, não será a última.
“Essas carnificinas de vacas e de carneiros na Inglaterra e na França, essas fogueiras de bruxas, com suas nauseabundas colunas de fumaça escurecendo os céus de Kent ou da Normandia, esses matadouros entulhados de carcaças ensangüentadas: esse é o pesadelo europeu.”
Foi assim que o jornalista Gilles Lapouge descreveu a reação dos governos europeus à doença da vaca louca ou encefalopatia espongiforme dos bovinos (ou BSE, do inglês bovine spongiform encephalophaty), que fez estripolias principalmente na Grã- Bretanha.
Em 2001, a suspeita de infecção do rebanho nacional com o príon causador da BSE levou alguns países a boicotar a carne bovina brasileira. Entre eles, estava o Canadá, que disputava com o Brasil o comércio de jatos de passageiros, numa contenda entre a canadense Bombardier e a brasileira Embraer.
Enquanto os fabricantes de aviões lutavam pelo controle do mercado, “dona Mimosa” continuava pastando, bovinamente e, é claro, sem nenhum sinal de BSE.
Esses episódios servem de alerta: quanto mais competitivo for o Brasil no acirrado comércio mundial, mais obstáculos serão colocados à nossa frente, na forma de subsídios aos produtores, medidas protecionistas de natureza tarifária ou, ainda, de barreiras fitossanitárias. Assim acontece com as carnes bovina e suína, o açúcar, o suco de laranja, as frutas...
A gripe aviária – ou gripe do frango – transformou essas aves na bola da vez. Casos de gripe raramente ocorrem em aves selvagens, que transportam em seus intestinos os vírus, altamente contagiosos e que podem causar doença e morte em aves domésticas, como frangos, patos e perus. As aves infectadas eliminam os vírus com as secreções e as fezes, podendo infectar grande número de outras aves, por contato direto com as secreções e as fezes ou, indiretamente, pelo contato com instalações, água e alimentos contaminados.
A epidemia que se alastra há alguns anos pelo mundo tem como agente causador a variedade H5N1 do vírus influenza do tipo A, altamente agressiva e contagiosa. Essa variedade raramente atacava seres humanos, mas, desde 1997, as coisas estão mudando.
Em todos os casos notificados, os doentes tinham história de contato próximo com aves domésticas ou com suas instalações (gaiolas e galinheiros), demonstrando que o vírus rompera a barreira entre as espécies. Ao mesmo tempo, não há caso confirmado de transmissão entre humanos, um dos grandes riscos atuais.
Boletim Mundo n° 5 Ano 14

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