sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ETA PROCURA NA POLÍTICA O QUE NÃO CONSEGUIU COM O TERROR

Newton Carlos

Cessar-fogo permanente anunciado pelos separatistas bascos foi o reconhecimento do impasse que ameaçava a organização. Uma ampla maioria dos espanhóis aprova a perspectiva de negociações.
Em seu comunicado anunciando um cessar-fogo permanente, o ETA usou três palavras inéditas em sua linguagem ao longo de 47 anos de ações em busca da independência do País Basco: diálogo, negociação e acordo.
O País Basco, tal como definido pelos nacionalistas, é formado por territórios espanhóis e franceses. De imediato o que quer o ETA, a partir de agora por “meios democráticos” e não mais com emprego da luta armada, é incompatível tanto com a oposição de Madri à independência do País Basco quanto com a concepção unitária do Estado francês.
A estratégia do ETA, no entanto, seria jogar com a nova conjuntura. O partido antes no poder na Espanha, o Partido Popular, de uma direita nostálgica do centralismo dos tempos do franquismo, era totalmente fechado a qualquer transigência, mínima que fosse, na questão basca.
O governo socialista atual admite reformar o estatuto das regiões de modo a garantir ampla autonomia ao País Basco espanhol.
Estaria garantido, por antecipação, apoio político das autoridades francesas ao plano espanhol, necessário tendo em vista  sobretudo à cooperação policial entre os dois países, nos últimos anos, no combate ao ETA. Chegou a ser criado, até, um grupo binacional de repressão aos separatistas bascos, conhecido pela sigla GAL e acusado de violar direitos humanos.
Em abril o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, afirmou que se aproximava o começo do fim do ETA e se comprometeu a pedir ao parlamento, se fosse o caso, permissão para negociar. Há quase um ano o próprio parlamento aprovou moção dando a ele sinal verde para ir em frente, desde que ficasse constatado o fim das “atividades terroristas”. É pecha da qual o ETA não escapa. Mesmo o moderado Le Monde, de Paris, carrega no adjetivo “terrorista” quando trata do ETA.
Ele é considerado “organização terrorista” pela União Européia, Estados Unidos e a própria Espanha.
Mas a União Européia saudou o “cessar- fogo permanente” como “sinal positivo” e o governo Zapatero fala da instalação de um “processo de paz” duro, longo e difícil. As lutas bascas pela soberania política remontam aos tempos do Império Romano. Matrizes distantes, portanto, se projetaram até o século XX e resultaram na criação, em 1959, do grupo separatista Euskadi Ta Azkatasuna (“Pátria Basca e Liberdade”), o ETA. Na época o ditador Francisco Franco reprimia violentamente manifestações políticas e culturais dos bascos. A ditadura forçava a integração total, excluindo até mesmo uma limitada autonomia.
Com a morte de Franco e a redemocratização espanhola, em 1975, foram feitos esforços para apaziguar os bascos. O Tratado de Guernica, de 1979 (assinado na cidadezinha basca destruída pelos aviões que Hitler mandou em ajuda a Franco na Guerra Civil, no episódio imortalizado pelo “Guernica” de Picasso), deu a eles um parlamento autônomo, com poderes para promulgar suas leis e estabelecer impostos. A partir do tratado, a Ikurina, a bandeira vermelha, branca e verde banida por Franco, passou a tremular livremente e a língua basca, o “euskadi”, tornou-se idioma oficial da região, ao lado do espanhol.
O ETA, contudo, nunca se contentou a não ser com independência completa. O saldo de mortes, resultantes de anos de atentados, anda pelos 800.
As intenções de algum tipo de recuo, que levasse a algum tipo de diálogo, não são de agora. Uma primeira carta do ETA foi entregue a Zapatero em agosto de 2004, quatro meses depois da posse do governo socialista. A interpretação foi a de que o ETA admitiu afinal, depois dos brutais atentados da Al Qaeda nos trens de Madri, que o ódio ao terrorismo se enraizara de tal modo nos espanhóis que sua situação se tornara insustentável.
A organização já vinha de enorme baque. Até 1968, as ações do ETA foram sobretudo de propaganda.
A partir daí desdobrou-se em duas frentes, a militar e a política, esta representada pelo partido Herri Batasuna. Em março de 2003 ele foi sentenciado como ilegal pela Corte Suprema da Espanha. Continuam presos cerca de 540 ativistas do ETA, que estaria praticamente desmantelado.
Especialistas dizem que o cessar-fogo procura evitar naufrágio completo, “reanimando” sua representatividade combalida numa mesa de diálogo com o poder central.
No início, o ETA combatia a ditadura fraquista.
Conseguiu arregimentar alguns graus de simpatia.
O atentado mais espetacular, em 1973, matou o almirante Carrero Blanco, escolhido por Franco como seu sucessor com a tarefa de preservar o regime. O ETA contribuiu,  de algum modo, para que a Espanha pós-Franco tomasse o rumo da democracia, o que acabou se virando contra ele.
Suas ações passaram a ter como alvo um Estado democrático moderno, seus representantes e seus cidadãos.
O pouco de simpatia esvaiu-se. “O ETA está enfraquecido e não tinha outra saída”, afirmou Ramón Cotarelo, cientista político da Universidade Complutense. A organização basca resiste em admitir derrota. Fala em cessar-fogo permanente, e não definitivo, jogando com palavras. Não fala em desarmar-se, como exige Zapatero. Tenta evitar a imagem da rendição. Tudo indica, no entanto, que a nova postura significa, de fato, o início do fim.
Não de estalo, mas aparentemente sem retorno, embora dirigentes do proscrito “Batasuna” digam que “o processo pode ser abortado se não forem reconhecidos os direitos do povo basco”.
Boletim Mundo n° 3 Ano 14

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