De tempos em tempos, a Península Ibérica – região ao sul da Europa composta por Portugal e Espanha –, é motivo de atenção por parte da imprensa mundial, fazendo com que fatos históricos sejam relembrados e nos ajudem a entender melhor as questões atuais sobre a política internacional. Desta vez, o responsável por colocar este pedaço da Europa no centro das atenções foi o polêmico escritor português e prêmio Nobel de Literatura, José Saramago. Em entrevista publicada no mês de Julho pelo jornal lisboeta Diário de Notícias, Saramago defende a integração entre Portugal e Espanha e afirma, “Não sou profeta, mas Portugal acabará por integrar-se na Espanha”. Suas declarações repercutiram pelo globo e causaram uma vaga de nacionalismo entre a população portuguesa, originando duras críticas e manifestações de repúdio por parte de diversas personalidades.
O debate sobre a União Ibérica vem de longe, mas nunca antes defendido por alguém com a projeção de um Nobel de Literatura. O escritor defende a hipotética integração como forma de possibilitar progressos a Portugal, sabendo que seu país natal é um dos que apresenta os mais baixos índices de desenvolvimento dentre os 27 países que compõem a atual formação da União Européia, e que além disso, Espanha é hoje um dos principais investidores no país. Saramago vai mais longe e propõem um nome para esta nova configuração da península, além de trazer para a discussão uma questão fulcral, que são as várias nacionalidades existentes na Espanha representadas por governos autônomos, “Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, a Castilla la Mancha, e teríamos Portugal. Provavelmente – Espanha –, teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar. O Ceilão não se chama agora Sri Lanka, muitos países da Ásia mudaram de nome e a União Soviética não passou a Federação Russa?”.O povo português não seria governado por espanhóis, como aconteceu entre 1580 e 1640 com a União Ibérica, de acordo com José Saramago, o parlamento – assembléia dos representantes eleitos pelo povo –, seria composto por nacionais portugueses, garantindo desta forma a autonomia necessária para a criação das leis da suposta região autônoma chamada Portugal. Além da autonomia legislativa o escritor aborda aspectos culturais, “Não deixaríamos de falar português, não deixaríamos de escrever na nossa língua e certamente com dez milhões de habitantes teríamos tudo a ganhar em desenvolvimento nesse tipo de aproximação e de integração territorial, administrativa e estrutural”.
Sua Ibéria opõe diretamente o território independente Português – o país com a mais antiga fronteira da Europa –, desta maneira colocando em causa os quase nove séculos da história e da nacionalidade portuguesa. Analisando a questão por este prisma, o tema “nacionalismo português”, cresce e assume proporções históricas. O primeiro fato relacionado com a nacionalidade portuguesa se dá com a associação de dois antigos condados, cada um deles, pertencentes a uma província romana diferente: o condado de Portucale, situado na antiga província da Galícia, e o de Coimbra, na antiga província da Lusitânia. Desta união formou-se o Condado Portucalense, entregue pelo rei Afonso VI de Leão e Castela ao conde Henrique de Borgonha, como dote de casamento de sua filha ilegítima D. Teresa no ano de 1096. Mais tarde, são estabelecidas as fronteiras com Castela através do Tratado de Alcanizes, em 1297.
A unidade territorial não é o único fator para o surgimento de uma nacionalidade. Para que uma comunidade constitua uma nação é ainda preciso que seus membros adquiram a consciência de formar uma coletividade, que daí resultem direitos e deveres iguais para todos, e cujas características sejam assumidas como expressão de sua própria identidade. Esta consciência forma-se por um processo lento, e começa por surgir em minorias capazes de conceber intelectualmente em que consiste propriamente a nação; para que depois, esta idéia vá se propagando lentamente a outros grupos, até atingir a maioria dos habitantes do País. Posto isto, a nacionalidade portuguesa se formou através da assimilação de consecutivos acontecimentos históricos , e que ainda permanecem impressos na memória coletiva, intervindo em questões atuais.
Se por um lado, o forte peso do passado português aguça ainda mais os sentimentos nacionalistas do povo, por outro, o presente de uma Europa unificada, possibilita novos argumentos contra a integração, e de certa forma, esvazia de sentido a proposta de uma bandeira única.
Uma das grandes vantagens implementadas pela União Européia é justamente a queda das fronteiras, com o objetivo de facilitar as trocas comerciais e fomentar a economia deste bloco de países. Tendo em conta esta realidade, a União Ibérica já existe do ponto de vista econômico, graças ao mercado comum europeu, onde existe uma moeda única, o euro, e ainda políticas agrícolas, de pescas, comerciais e de transportes comuns. O dinheiro, as mercadorias, os trabalhadores, os turistas e as empresas, fluem sem cessar.
Outro dado importante que reafirma a complexidade da integração é a dificuldade que o governo espanhol enfrenta para manter a coesão entre as regiões autônomas, já que a Espanha possui um dos modelos administrativos mais descentralizados da Europa. Algumas destas regiões possuem identidade nacional e línguas próprias como a Galiza, o País Basco e a Catalunha. Portugal, tornando-se uma província, agravaria ainda mais os problemas relativos a administração e a manutenção destas regiões.
O movimento político e ideológico do Iberismo, defende a união entre Portugal e Espanha, mesmo não existindo nenhum partido democrático que defenda este ideal. O conceito de uma Ibéria ou uma península unida, é latente na obra de Saramago, a qual encontramos não como uma hipótese possível, mas sim, como ficção, em seu livro Jangada de Pedra, onde uma série de acontecimentos sobrenaturais culmina na separação da Península Ibérica, que começa a vagar pelo Atlântico em busca da sua verdadeira localização e identidade.
Além de possuírem raízes comuns, os dois povos dividem aspectos geográficos, climáticos e também certa antipatia, quase como aquela que os brasileiros alimentam pelos argentinos e vice-versa. A propósito deste último dado, o escritor, filósofo e iberista espanhol Miguel de Unamuno, aludia há um século, “a petulante soberba espanhola, de um lado, e à mesquinha desconfiança portuguesa, de outro”, como responsáveis pela alienação e falta de comunicação cultural.
É evidente que haveria ganhos com esta integração.
Os imediatos seriam: uma aproximação mais rápida dos indicadores médios da União Européia; o aumento do mercado interno; e os benefícios provenientes do contato com uma estrutura mais evoluída em vários níveis. A falta de perspectivas de melhoria nas condições de vida dos portugueses, também é um fator que determina a opinião positiva à integração por parte de muitos cidadãos lusitanos, talvez estes mais dependentes do estado; ou então, não enxergam no governo a representatividade de fato, que pensam merecer. O país passa por uma depressão e a integração em alguns casos é defendida, pois não se encontram alternativas.
José Saramago vive há 14 anos em Lanzarote uma ilha do arquipélago das Canárias em Espanha. Um dos fatores que o levou a refugiar-se na ilha, foi o veto do Governo português contra o seu livro mais polêmico, Evangelho segundo Jesus Cristo, publicado no ano de 1991.
O romance foi cortado da lista dos concorrentes ao Prêmio Literário Europeu, pelo arcaico subsecretário de Estado da Cultura na época, alegando que a obra havia atacado princípios religiosos portugueses.
Longe de ser entendido, José Saramago foi provocativo e irônico em sua entrevista, obtendo ganhos diretos com a promoção de suas idéias e livros, além de ter difundido sua mais recente criação, uma fundação homônima que estará presente em Portugal e Espanha.
Qualquer avaliação que se faça sobre a idéia de uma Ibéria real será redutora, principalmente porque os países que comporiam esta hipotética união estão inseridos em uma experiência maior com o nome de União Européia.
A única certeza que o momento reserva e como pode confirmar o próprio escritor de 84 anos, é o efeito do tempo em sua atitude frente à vida, “Quanto mais velho mais livre e quanto mais livre mais radical”.
Filipe II impôs a fusão das coroas
No século XVI houve um intenso intercâmbio cultural entre Portugal e Espanha, fomentado por uma idéia humanista da unidade da Hispânia*. As camadas cultas da sociedade utilizavam a língua portuguesa e espanhola indistintamente, como fazia Luiz Vaz de Camões – um dos maiores poetas de língua portuguesa –. Esta condição nutrida por ambas sociedades, somada a crise sucessória de 1580 – iniciada após a morte de D. Sebastião, sem descendentes –, fez com que, entre vários pretendentes que disputavam a coroa portuguesa, fosse reconhecido Filipe II de Espanha, como novo rei português, tornando-se Filipe I de Portugal. Mesmo com o reconhecimento, Filipe exigiu o trono e invadiu Portugal com um forte exército para assegurar sua coroação.O grande império Ibérico que se formou, durou 60 anos, entretanto, Filipe I e seus 2 sucessores que governaram Portugal, subjugaram a população, subverteram acordos estabelecidos com a nobreza, clero e burguesia, fazendo de Portugal uma das fontes de receitas para a manutenção das sucessivas e desastrosas guerras que Espanha mantinha na Europa. A restauração do domínio Português, se deu em 1640 quando Espanha atravessava graves dificuldades econômicas.
Um aspecto interessante sobre este importante episódio da história da Europa, e de acordo com estudos mais recentes sobre este período, é que o nacionalismo não foi preponderante tanto na fusão da Coroa, quanto para a restauração portuguesa. Na fusão da Coroa outros elementos possibilitaram o pacto sucessório, como: interesses políticos da sociedade portuguesa – o clero, os senhores, os círculos mercantis –; convicções jurídico-ideológicas; interesses coletivos como projetos de integração dos espaços econômicos ultramarinos, etc. O nacionalismo foi como um cimento ideológico na restauração portuguesa, pois permaneceu como um elemento passivo até que fatos políticos concretos ofendessem os interesses sociais que, esses sim provocaram a revolta.
* Hispânia era o nome dado por fenícios a Península Ibérica, posteriormente utilizado por romanos.
Um povo capaz de chegar aos confins do mundo
As guerras com Castela e a Revolução de 1383 – 1385, ao trazerem tropas estrangeiras a Portugal, evidenciam a diferença entre os portugueses e os outros, isto é, aqueles que falam outra língua, tinham outros costumes e se comportavam como inimigos. Cem anos depois, a expansão ultramarina coloca muitos portugueses em contato com gente ainda mais estranha, perante as quais eles se apresentam como irmanados pois estão sobre a obediência de um mesmo rei. A União Ibérica 1580 – 1640, faz refletir o que é ser português e o que é estar sujeito a uma administração não portuguesa.No mesmo século XVI, a epopéia portuguesa escrita por Luiz Vaz de Camões, sobre um povo capaz de chegar aos confins do mundo, é publicada quando este retorna do oriente. A obra poética evidencia a qualidade de descobridores e distingue a coragem de enfrentar o desconhecido, exaltando o impulso conquistador dos portugueses.
História e Cultura n° 5 Ano 3
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