quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

“PROIBIDO VIRAR À DIREITA”

Eduardo Montechi Valladares

Tarde de 17 de janeiro de 2006, sentado num banco na estação de trem de Quijarro (pequena cidade boliviana na fronteira com Mato Grosso do Sul), esperando a partida do “trem da morte” para Santa Cruz de La Sierra. Os próximos quinze dias serão passados na Bolívia.
Nas estradas ainda se enxergam vestígios da última campanha eleitoral, com muros e paredes pintados com slogans e siglas partidárias. Nas eleições de 18 de dezembro, o candidato do Movimento ao Socialismo (MAS), Evo Morales, havia conseguido a maioria absoluta, com 53,7% dos votos. Evo é de origem aymara. Começou a ganhar destaque como líder sindical. Ao defender os interesses dos plantadores de coca e dos indígenas bolivianos, entrou em choque com a política oficial dos antigos governantes que, com apoio dos Estados Unidos, queriam erradicar o plantio da coca. A posse oficial aconteceu em 22 de janeiro, domingo. Eu estava em Sucre, capital constitucional da Bolívia e acompanhei, pela televisão, as cerimônias e celebrações populares que ocorriam em La Paz.
No seu discurso de posse, Morales recordou que, até o início da década de 1950, as populações indígenas não tinham direito ao voto e eram proibidas de freqüentar escolas. As primeiras crianças quéchuas e aymaras que aprenderam a ler e a escrever tiveram suas mãos cortadas e seus olhos perfurados. Também lhes era vetado o ingresso nas principais praças públicas. Qualquer indígena seria enxotado da Praça Murillo, onde está o Palácio de Governo.
Morales disse que iria retomar “a luta do Che”, em referência a Ernesto Che Guevara, morto a Bolívia, em 1967. Fez duros ataques ao neoliberalismo, prometeu combater a corrupção. Destacou a necessidade de convocação de uma Assembléia Constituinte com o objetivo de criar um país mais justo para todos. Foi bastante aplaudido.
No dia seguinte, o novo presidente foi a Sucre, para uma cerimônia na Casa da Liberdade onde foi assinada a ata da independência da Bolívia, em 1825. A praça e as ruas ao redor do edifício foram totalmente ocupadas por moradores, militantes e turistas.
Apesar da evidente felicidade, percebia-se um sentimento de expectativa quanto ao futuro. Em meio à profusão de cartazes e faixas, um dizia em tom de advertência: “Proibido virar à direita, estamos vigiando”.
Visitei, em seguida, Potosi, a três horas de viagem de ônibus de Sucre. É a cidade mais alta do mundo, a 4.090 metros do nível do mar. Algumas paisagens são deslumbrantes, mas a altitude cobra o seu preço: dor de cabeça, enjôo e falta de ar.
Os bolivianos aconselham: “Camina lentito, come poquito y duerme solito”.
Pena que não segui nenhum deles.
A cidade, fundada em 1545, ficou famosa pela presença do Cerro Rico, uma montanha que marca a paisagem e a história da cidade.
A descoberta de prata fez com que a região fosse rapidamente povoada. A quantidade de riquezas gerada pelo Cerro Rico fez com que aquele pedaço de terra se tornasse o centro dos interesses espanhóis na América do Sul. Em meados do século XVII, Potosi chegou a ter 160 mil habitantes, o que fazia dela a maior cidade do continente americano, mais populosa até que Londres.
Atualmente, a cidade tem aproximadamente 120 mil habitantes e a montanha encontra-se perfurada por mais de 5 mil túneis. A prata representa apenas uma pequena parte dos minérios retirados (estanho, cobre, zinco, chumbo etc). As condições de trabalho dos mineiros são extremas.
Dependendo da profundidade em que você esteja, a temperatura oscila entre um frio úmido e um calor abafado de mais de 40ºC.
Os vapores tóxicos e a inalação de partículas suspensas no ar causam doenças pulmonares.
Dentro das galerias é praticamente impossível se alimentar. Para enganar a fome, todos mascam folhas de coca.

Boletim Mundo n° 1 Ano 14

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