sábado, 31 de dezembro de 2011

UMA RECEITA EXPLOSIVA NO CORAÇÃO DA EUROPA

Nesta noite, com a decisão da maioria dos habitantes de Montenegro, a independência do país foi renovada.
Agora temos um Estado”, declarou, em 21 de maio, o primeiro-ministro Milo Djukanovic, principal líder da campanha pela separação de seu país da república balcânica da Sérvia e Montenegro. A opção pelo “sim”, decidida em referendo, conquistou pouco mais do que os 55% dos votos necessários para consumar a separação.
Montenegro, naquela data, deu o passo definitivo para emergir das antigas repúblicas que integravam a Iugoslávia, tornando-se o mais jovem país do velho continente.
A Iugoslávia foi um Estado multinacional constituído por sérvios, montenegrinos, croatas, eslovenos, bósnios muçulmanos, macedônios, albaneses e húngaros étnicos. A separação de Montenegro não é o ato final da sua desagregação: no futuro próximo, a província sérvia de Kosovo, de maioria albanesa, sob protetorado da ONU desde 1999, deve tornar-se um país independente.
Mas a separação de Montenegro é um caso singular, pois a “invenção” da nação montenegrina é um fenômeno muito recente e inseparável da interferência da União Européia (UE).
O resultado do referendo mostrou, claramente, que a questão da independência dividiu e ainda divide seriamente os 700 mil montenegrinos. Os oponentes da separação incluindo políticos, líderes da Igreja Ortodoxa e camponeses das regiões montanhosas situadas no interior – defendiam a preservação dos vínculos culturais, familiares, econômicos, políticos e históricos com a Sérvia. Os montenegrinos compartilham com os sérvios a religião cristã ortodoxa, o alfabeto cirílico e a língua; cerca de 30% consideram-se, de fato, sérvios. As correntes que defenderam o “não” alegavam que a separação implicaria, necessariamente, uma perda cultural sem razão e sem propósito.
Em contrapartida, os defensores da separação – a maior parte dos montenegrinos e albaneses que vivem nas regiões litorâneas – alegavam que a separação permitiria uma integração mais rápida com a UE, com todos os supostos benefícios econômicos implicados.
Há tempos, Montenegro foi capturada para a “área de influência” da UE – e, mais particularmente, da Alemanha. Em 1996, Montenegro substituiu sua moeda pelo marco alemão e depois adotou o euro.
Além disso, no campo estritamente político, o grau de ingerência da UE nos assuntos da antiga província pode ser facilmente demonstrado pelo fato de que as normas para a realização do referendo foram redigidas em Bruxelas, a “capital européia”.
Existirá mesmo uma “nação montenegrina”, separada da Sérvia, com uma identidade própria, autônoma e capaz de caracterizar a existência de um novo país? Nada indica isso.
Além das práticas cotidianas que configuram a identidade de um povo – religião, idioma, alfabeto –, Montenegro ainda compartilha com a Sérvia uma história intensa, iniciada na segunda década do século XX.
Após a derrocada do Império Otomano (do qual fazia parte), ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-18), Montenegro integrou-se, junto com a Sérvia, ao reino dos eslavos do sul, base sobre a qual Josip Broz Tito conduziu o processo de constituição da Iugoslávia, ao final da Segunda Guerra Mundial (1929-45). E mais: em 1992, quando a Iugoslávia “explodiu”, sob o impacto da queda do Muro de Berlim, os montenegrinos, também em plebiscito, reiteraram sua união com os sérvios.
Apesar de tudo isso, a UE favoreceu a decisão de separação de Montenegro, por uma questão estratégica de longo alcance geopolítico e histórico. Trata-se de aprofundar o “cordão sanitário” europeu em torno da Rússia, que tem na Sérvia um tradicional e fiel aliado.
Os estrategistas europeus, assim como os militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ainda consideram a Rússia uma potência continental rival, que preserva a sua extraordinária força em termos de recursos naturais, extensão geográfica e arsenal nuclear.
Mas, ao puxar o cobertor para cobrir a cabeça, a UE corre o sério risco de deixar desprotegidos os pés.
Se a independência é uma reivindicação legítima para uma província de 700 mil habitantes, também o será para catalães e bascos da Espanha, corsos da França e valões da Bélgica, comunidades que jamais abandonaram a perspectiva de constituir um país autônomo, com muito mais argumentos e legitimidade do que os montenegrinos. Bruxelas acendeu o pavio dentro do depósito de pólvora.
Boletim Mundo n° 4 Ano 14

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