sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

POTÊNCIAS DEFINEM ESTRATÉGIAS NO JOGO DO PETRÓLEO ESCASSO

QUANDO OLHAMOS PARA O SÉCULO XXI FICA CLARO QUE CERTAMENTE UM CHIP DE COMPUTADOR PROPICIARÁ A HEGEMONIA TANTO QUANTO O PETRÓLEO. MESMO ASSIM, A INDÚSTRIA PETROLÍFERA CONTINUA A TER UM IMPACTO ENORME. (...) FINDA A GUERRA FRIA, UMA NOVA ORDEM MUNDIAL COMEÇA A TOMAR FORMA. A COMPETIÇÃO ECONÔMICA, AS LUTAS REGIONAIS E AS RIVALIDADES ÉTNICAS PODEM SUBSTITUIR A IDEOLOGIA COMO FOCO DO CONFLITO INTERNACIONAL – E NACIONAL –, AJUDADAS E INSTIGADAS PELA PROLIFERAÇÃO DOS ARMAMENTOS MODERNOS. MAS, QUALQUER QUE SEJA A EVOLUÇÃO DESSA NOVA ORDEM MUNDIAL, O PETRÓLEO CONTINUARÁ A SER O PRODUTO ESTRATÉGICO, DE IMPORTÂNCIA CRÍTICA PARA AS ESTRATÉGIAS NACIONAIS E PARA A POLÍTICA INTERNACIONAL.

(DANIEL YERGIN, O PETRÓLEO: UMA HISTÓRIA DE GANÂNCIA, DINHEIRO E PODER, SÃO PAULO, SCRITTA, 1994, P. XIII-XIV)
Os preços contam a história. A “era da abundância” de petróleo terminou no início da década de 70, quando o barril custava menos de três dólares. Ela foi sucedida por uma longa transição, de quase três décadas, na qual os preços reais (isto é, ajustados pela inflação) conheceram bruscas oscilações. Na virada do século XXI, começou a “era da escassez”, cujo reflexo é a tendência ao aumento dos preços do barril.
A “era da abundância” durou cerca de um século, desde as descobertas pioneiras de petróleo nos Estados Unidos até o primeiro “choque de preços”. O petróleo e a indústria automobilística desenharam a economia mundial capitalista do século XX. A geopolítica do petróleo, nos seus ciclos “britânico” e “americano”, desenhou as fronteiras do Oriente Médio e definiu as relações entre as empresas multinacionais petrolíferas e os “potentados do petróleo” do Golfo Pérsico.
A longa transição atravessou duas etapas.
Na inicial, os “choque de preços” de 1973 e 1979, provocados por decisões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), refletiram  a falta de investimentos em pesquisa e prospecção de novas reservas. O cartel dos exportadores controlava a oferta e manipulava os preços pois, nas décadas anteriores de abundância, as multinacionais petrolíferas acomodaram-se ao conforto das fontes conhecidas.
Mas a alta dos preços rompeu a acomodação.
Incentivadas por taxas de rentabilidade inéditas, as empresas de petróleo descobriram novos campos, que logo entraram em produção. Na etapa final da transição, a oferta aumentou e fugiu ao controle da OPEP. Os preços do barril caíram para um patamar próximo de quatro dólares e chegaram a desabar para profundezas inferiores a três dólares em 1998.
A “era da escassez”, que já começou, durará décadas. Ela decorre da combinação de dois fenômenos: a expansão acelerada do consumo da China e da Índia e o ritmo desolador da descoberta de novas reservas petrolíferas na última década. Hoje, sob o efeito conjuntural da crise no Iraque, os preços nominais do barril giram acima dos 50 dólares e os preços ajustados pela inflação ultrapassam dez dólares. Esses preços podem até cair, mas a marcha de longo prazo de aumento de preços parece inevitável .
Petróleo existe, fisicamente, em quantidades imensas. Contudo, as reservas economicamente exploráveis representam apenas uma fração das reservas físicas potenciais.
Depois do esgotamento das reservas exploráveis, o petróleo remanescente, enterrado a grandes profundidades, custará caro demais para ser recuperado.
A humanidade substituirá o “ouro negro” por outras fontes energéticas.
Na “era da abundância”, ninguém se interessava muito pelas reservas: o que importava era a produção em campos pouco profundos. Na “era da escassez”, pelo contrário, todos os olhares estão postos nas reservas economicamente exploráveis: quem oferecerá petróleo quando a maioria dos poços do mundo tiver secado?
O panorama das reservas comprovadas é desolador para os grandes consumidores.
Perto de 80% dessas reservas está em países da OPEP. Os “potentados do Golfo”, especialmente a Arábia Saudita, detêm a parte do leão. A ex-URSS, maior produtor e exportador atual, tem menos de 8% das reservas totais: ela não poderá substituir, a médio prazo, os fornecedores tradicionais de petróleo.
A “era da escassez” é uma era de conflito e tensão. O nome do jogo é garantir fornecimento estável de petróleo ao longo das próximas décadas. Os Estados Unidos, como maior importador mundial e principal potência global, encontra-se no centro do grande jogo. Mas, no plano regional, os maiores importadores são a Ásia/Pacífico e a Europa Ocidental. No horizonte de décadas, a dependência dos países asiáticos será muito agravada. As importações da Índia tendem a ultrapassar as do Japão. A China, que já é o segundo consumidor mundial (quase 8% do total, contra 7% do Japão e 25% dos Estados Unidos), passou a usar internamente a sua imensa produção (a quinta do mundo, em torno de 3,5 milhões de barris/dia, mais do que o México e bem mais do que a Venezuela) e, nos dois últimos anos, tornou-se importador. Nas próximas décadas, ela também importará mais do que o Japão.
Os maiores exportadores atuais de petróleo dividem-se, com raras exceções, em três grupos: os “potentados do Golfo”, a ex-URSS e os exportadores das Américas. A estratégia petrolífera dos Estados Unidos abrange políticas para essas três frentes. No Golfo Pérsico, trata-se de impedir a desestabilização política da monarquia saudita, recuperar a capacidade exportadora do Iraque e, de algum modo, derrubar o regime anti-ocidental do Irã. Na ex-URSS, a meta é consolidar a cooperação com o regime de Vladimir Putin e assegurar fornecimentos crescentes de petróleo. Nas Américas, o objetivo é garantir fontes alternativas às do Golfo Pérsico, o que torna vitais as relações com uma Venezuela engajada na “revolução bolivariana”.
Europeus e asiáticos dependem ainda mais que os americanos das fontes do Oriente Médio. Antes da invasão americana do Iraque, em 2003, empresas de petróleo chinesas haviam firmado contratos milionários de prospecção e exploração com Saddam Hussein. Esses contratos foram cancelados com a queda do regime iraquiano. Mas as empresas chinesas disputam acirradamente com as competidoras americanas e européias o controle de concessões na África.
O quadro dos grandes exportadores tende a mudar com rapidez. Campos que entraram em exploração após os “choques de preços” dos anos 70, como o do Mar do Norte, já encontram-se em declínio. A Grã- Bretanha perdeu a condição de exportador significativo e logo será a vez da Noruega.
A ex-URSS perderá inevitavelmente posições no ranking das exportações de petróleo, pois suas reservas não podem sustentar por muito tempo o ritmo atual de extração. Ela se tornará, isso sim, a grande fonte de gás natural para toda a Europa, pois detém mais de 30% das reservas mundiais.
O grande jogo do petróleo começou no Oriente Médio, às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e terminará também no Oriente Médio. Essa é a profecia fácil, que decorre da análise das reservas comprovadas. A profecia difícil é imaginar o cenário geopolítico do Golfo Pérsico no futuro próximo. O fracasso americano no Iraque, as ameaças de Washington contra o Irã e a crise crônica do Estado saudita são os componentes principais do enigma, que se ramifica na Palestina e, em geral, no mundo árabe-muçulmano.
Ninguém sabe decifrá-lo. Sorte dos especuladores.
Boletim Mundo n° 3 Ano 14

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