Sir David King, o cientista-chefe do governo, enxergava longe ao afirmar que o aquecimento global é uma ameaça mais séria que o terrorismo. Ele pode ter até mesmo subestimado-a pois, desde que se pronunciou, novas evidências de mudanças climáticas sugerem que elas poderiam representar (...) o maior perigo enfrentado pela civilização até hoje. (...) Nós não temos tempo para experimentações como fontes visionárias de energia; a civilização encontra-se sob perigo iminente e deve usar agora a energia nuclear – a única segura e abundante fonte de energia – ou sofrer a dor que lhe será infligida por nosso planeta ultrajado.”
O alerta, publicado no jornal The Independent em maio de 2004, não emanou de alguma poderosa empresa do setor nuclear mas de James Lovelock, um dos gurus dos movimentos ambientalistas. Lovelock, o criador da Hipótese Gaia, segundo a qual a Terra é um organismo vivo e um sistema que se auto-regula, chocou os “verdes” do mundo inteiro ao ironizar o “medo irracional” que cerca a energia nuclear, atribuindo-o à “ficção de estilo hollywoodiano”. Ele classificou a energia nuclear como “a mais segura” entre todas as fontes energéticas e conclamou os “verdes” a engajarem-se na defesa da substituição das usinas térmicas por reatores nucleares.A produção de energia elétrica por meio de um reator nuclear começou, experimentalmente, nos Estados Unidos em 1951. A primeira usina nuclear comercial foi instalada três anos depois em Obninsk, na antiga União Soviética. O entusiasmo pela nova fonte energética difundiu-se nas décadas de 70 e 80, estimulado pelos “choques de preços” do petróleo, o que levou a geração de origem nuclear a atingir quase um quinto da produção elétrica total. Contudo, desde o final da década de 80, sob o impacto da queda dos preços do petróleo, o ritmo de construção de novas usinas experimentou forte redução e a alternativa nuclear chegou a ser descartada pelos analistas.
O acidente na usina americana de Three Mile Island, em 1979, com a fusão parcial do núcleo do reator, não provocou escape muito grande de radioatividade mas teve impactos políticos desastrosos. Depois dele, a campanha “verde” contra as usinas nucleares ganhou fôlego e audiência.
Mas muito pior foi o acidente da usina soviética de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, quando nuvens radioativas escaparam do reator e, levadas pelos ventos, espalharam- se pelo noroeste europeu, até o leste da América do Norte. Cerca de 330 mil pessoas tiveram que ser definitivamente removidas de uma ampla área em torno da usina. A maior parte da radioatividade atingiu a Belarus e seus impactos poderão se fazer sentir por décadas. Contudo, até hoje, não se verificaram os dramáticos aumentos previstos na incidência de leucemia.
Chernobyl associou-se à conjuntura econômica dos mercados de energia, ajudando a decretar, talvez muito prematuramente, a morte das usinas nucleares. Nos Estados Unidos, a construção de novos reatores já andava em marcha lenta desde Three Mile Island. Na Europa, alguns países (como a Áustria, a Irlanda e a Suécia) decidiram suspender planos de construção mesmo antes do acidente ucraniano mas, depois dele, a tendência se amplificou.
Na Itália, os eleitores votaram em plebiscito, em 1987, pelo fechamento dos quatro reatores do país.
Na década de 90, verificou-se uma lenta recuperação no ritmo global de construção de reatores, pois diversos países asiáticos (China, Índia, Japão e Coréia do Sul, especialmente) engajaram-se na via nuclear. O acelerado crescimento econômico de alguns deles, junto com a forte dependência das importações de petróleo, sustentaram a opção pela geração nuclear de energia elétrica. Simultaneamente, e como efeito de Chernobyl, as tecnologias das usinas tornavam-se mais seguras e eficientes.
Dezesseis países dependem da energia nuclear para produzir um quarto ou mais da sua eletricidade. Entre eles, a França gera algo como três quartos de sua energia elétrica em usinas nucleares, enquanto Japão e Alemanha dependem de reatores nucleares para produzir mais de um quarto de sua eletricidade. Nos Estados Unidos, a participação nuclear é de cerca de um quinto do total.
A tendência recente de expansão da geração nuclear na Ásia modificará em profundidade o cenário global na próxima década. Até 2012, China, Coréia do Sul, Índia e Japão completarão usinas com capacidade total superior a 19 mil MW, ou algo em torno de 70% do aumento global da produção nuclear.
O argumento econômico para a opção nuclear tornou-se muito poderoso com os aumentos recentes de preços do petróleo, que refletem a expansão da demanda e o fraco ritmo de descoberta de novas reservas. O espectro do aquecimento global abre um novo capítulo no debate sobre os significados ambientais das usinas nucleares.
Os ambientalistas pró-nuclear ainda são minoritários, mas esgrimem argumentos ponderáveis. Eles mostram que a radiação emitida por usinas nucleares é insignificante, se comparada às emissões naturais e às derivadas de procedimentos médicos, e enfatizam que o “lixo nuclear” é um problema muito exagerado pela mídia. A França, com seus 58 reatores, produz anualmente 3 toneladas per capita de lixo de vários tipos, que incluem 100 quilos de materiais tóxicos, dos quais apenas um quilo é “lixo nuclear” e menos de 50 gramas são materiais radioativos com meia-vida superior a 30 anos. O “lixo nuclear” é selado em blocos de concreto ou de vidro, se é altamente radioativo.
O mais forte argumento dessa minoria de ambientalistas é a comparação entre os níveis de emissão de dióxido de carbono (CO2) de países com matrizes energéticas diferentes.
A França, que gera eletricidade principalmente em usinas nucleares e hidrelétricas, emite apenas 6,7 toneladas per capita anuais de CO2. É um nível baixo para um país rico, similar aos da Suécia e da Noruega. Grã-Bretanha e Alemanha, que dependem muito mais de usinas térmicas, emitem anualmente 10 a 12 toneladas per capita.
Nos Estados Unidos, as emissões atingem espantosas 20 toneladas.
Boletim Mundo n° 6 Ano 14
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