sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

CHÁVEZ DISTRIBUI 2 MILHÕES DE EXEMPL ARES DO DON QUIXOTE

Serge Goulart

Conheci o presidente Hugo Chávez no topo de uma montanha no interior da Venezuela, em abril deste ano. Duas horas de ônibus desde Caracas, mais meia hora de microônibus serra acima, e chegamos ao local onde passaríamos o domingo.
O exército havia cortado a ponta de uma montanha e instalara uma enorme tenda branca para os convidados internacionais, os ministros, o governador do estado, as autoridades e convidados locais.
Soprava um vento suave, contrabalançando o sol ardente que iluminava as montanhas menores e o contorno de uma pequena vila que se via ao longe.
À nossa volta, separados por uma espécie de “terra de ninguém”, se aglomeravam, sob tendas do exército, cerca de dez mil agricultores, jovens, trabalhadores humildes, donas de casa, enfim, o povo da região. Eles caminharam quilômetros a pé, subiram a montanha escaldante para ver e ouvir “el presidente Chávez”, mas também para pedir-lhe que “tome cartas en el asunto” (tome providências sobre seus problemas).
Chávez chegou às 10:30 hs. em um helicóptero militar presidencial e, cumprimentando todo mundo – todo mundo mesmo! – foi para o camarim improvisado na tenda. Ali, entre piadas sobre os esforços dos maquiadores e os olhares e gargalhadas de dez mil espectadores, Chávez começou dizendo que deixá-lo bonito era impossível e que só mesmo Condoleezza Rice, a secretária de Estado de Bush, para ter uma queda por ele.
Numa espécie de palco, no fundo da tenda, Chávez conduziu seu programa dominical de rádio e TV “Alô, Presidente”, por seis horas seguidas. Falando com os convidados e com ouvintes e telespectadores de todo o país, encaminhou doentes para os “charter de saúde” (aviões que toda semana levam doentes para tratamento em Cuba), exigiu respostas dos ministros aos reclamos sobre a demora na construção de casas populares, sobre perseguições patronais em determinada fábrica, sobre pedidos que a burocracia estatal enrolava e não atendia, enfim sobre um arco-íris de reivindicações que lhe chegavam por carta, por telefone ou diretamente da multidão em volta. Atendeu um grupo de manifestantes que queriam resolver um problema de terras e entregou a outro os títulos de propriedade de um latifúndio expropriado. Em seguida, anunciou que já modificara o conceito de latifúndio o que lhe permitia, com o “Decreto de Terras”, ampliar as expropriações e a entrega de terra aos camponeses.
Os trabalhadores de uma fábrica quebrada ligam para pedir ajuda. Chávez anuncia, então, que 147 empresas falidas serão expropriadas e postas a funcionar, e que outras 1.145 estão sendo enquadradas no Decreto de Defesa da Economia Nacional, que permite a expropriação de empresas fechadas, quebradas ou abandonadas pelos proprietários. Depois, Chávez deu posse simbólica a dois milhões de reservistas para “defender a soberania da Venezuela frente às constantes ameaças que temos sofrido”.
Chávez tem 75% de apoio popular, mas as elites venezuelanas e Bush não engolem isso. Foi Karl Marx que disse que o chicote da contra-revolução empurra a revolução. Durante a tentativa de golpe de abril de 2002, articulado pela Federação das Empresas e a embaixada dos Estados Unidos, os venezuelanos se insurgiram e obrigaram os militares seqüestradores a devolver Chávez ao palácio presidencial, iniciando uma mobilização que não parou mais. Depois, o lockout (greve patronal), de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003, levou os trabalhadores a ocupar as empresas e colocá-las em funcionamento para impedir o estrangulamento econômico do país. Por fim, o “Referendo Revogatório”, que a oposição pediu e Chávez ganhou, aprofundou a mobilização.
Desde então a “revolução bolivariana”, como Chávez batizou a revolução antiimperialista que dirige, só fez se acelerar.
Os trabalhadores passaram a ocupar as fábricas sabotadas, os sindicatos constituíram a Unión Nacional del Trabajo (UNT), uma nova central sindical. Os camponeses começaram a ocupar terras. E o governo Chávez começou uma reforma agrária proporcionalmente muito maior do que a que prometeu (e não cumpriu) o presidente Lula.
A mobilização popular levou Chávez a construir um centro médico (clínica médica, oftalmologista, dentista, enfermagem e pequenas cirurgias) em cada bairro, reorganizar a educação pública para zerar o número de analfabetos em 2006 e iniciar o segundo maior projeto de construção de casas populares do mundo. E, em abril, se distribuíram gratuitamente dois milhões de exemplares do romance Don Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, comemorando seu quarto centenário.
Mas o maior desafio é o desemprego, resultado dos sucessivos governos de AD e COPEI, os dois partidos tradicionais, que se revezaram no poder por 40 anos e fizeram do país uma plataforma de exportação de petróleo. Em toda a Venezuela, pipocam iniciativas para industrializar o país usando a renda petroleira. Afinal, como escreveu um leitor em carta publicada no jornal Últimas Notícias, “Presidente, revolución com hambre no dura!”

Boletim  Mundo n° 6 Ano  13

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