Venezuela, Argentina e Brasil fecharam acordo sobre o ambicioso projeto do gasoduto continental que vai ligar as jazidas venezuelanas, localizadas nas proximidades da foz do rio Orenoco, a Buenos Aires, às margens do estuário do Prata, cruzando o interior brasileiro. Os responsáveis pelo projeto acreditam que a gigantesca obra, orçada em 20 bilhões de dólares, esteja concluída entre 2010 e 2012.
O gasoduto é mais um dos elementos na grande arquitetura destinada a integrar fisicamente a América do Sul. A estratégia envolve não só a integração energética como também a integração de infra-estruturas viárias (rodovias, ferrovias e hidrovias). No âmbito viário, algumas conexões já existem há bastante tempo, mas não foram pensadas num contexto de integração do subcontinente.Só na última década, impulsionada pelas necessidades da globalização, a idéia da integração viária continental tomou força. Já a integração no âmbito energético talvez tenha começado com a criação de uma empresa binacional pelos governos de Brasil e Paraguai, na década de 1970, quando se iniciou a construção da usina hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná.
Dos três governos envolvidos na construção do gasoduto, o venezuelano é o que tem se mostrado mais ativo para a sua concretização. Primeiro, porque é daquele país que sairá o gás. A Venezuela possui quase 55% das reservas desse hidrocarboneto na América Latina. Segundo especialistas, essas reservas poderiam abastecer a América do Sul pelos próximos cem anos.
Mas não é só isso: foi do presidente venezuelano Hugo Chávez a idéia da associação das petrolíferas estatais da América do Sul. A Petrosur, como imaginada por Chávez, provavelmente nunca existirá. Mas há iniciativas conjuntas.
Em dezembro de 2005 foi lançada a pedra fundamental da refinaria de petróleo Abreu Lima, localizada no Porto de Suape, pólo portuário e industrial próximo a Recife. Associaram-se nessa empreitada as estatais Petrobrás e Petróleos de Venezuela (PDVSA).
A nova refinaria abastecerá em derivados de petróleo o Nordeste brasileiro, região que consome cerca de 20% dos combustíveis do país. Segundo Chávez, “vamos explorar conjuntamente as reservas venezuelanas e traremos parte desse petróleo para ser refinado em Pernambuco.
Esse petróleo deixará de ser venezuelano e se transformará em propriedade sul americana”.
Este e outros projetos energéticos fazem parte de uma visão geopolítica mais ampla: a unidade latino-americana sonhada pela “revolução bolivariana” de Chávez.
O projeto do gasoduto depende de uma ampla cooperação entre os parceiros.
Representantes da Venezuela, Argentina e Brasil vão tentar definir mercados, recursos e condições de comercialização, além de tarifas e tecnologias que serão aplicadas.
Deverão também ser levadas em conta as formas de financiamento da obra, questões ambientais e a coordenação das diferentes regulamentações do setor em cada país.
A Argentina parece ser o país com maiores interesses na rápida construção do gasoduto, pois encontra-se cronicamente à beira de uma crise de abastecimento energético.
Especialistas afirmam que em menos de 10 anos o país se tornará importador de energia, em virtude da rápida redução de suas reservas de gás, que perfazem cerca de 8% do total latino-americano. Os argentinos acalentam a idéia da incorporação da Bolívia ao projeto. O país andino também possui 11% das reservas latino-americanas e suas jazidas encontram-se ainda em fase inicial de exploração. O obstáculo à pretensão argentina é o elevado grau de politização do tema dos recursos naturais na Bolívia, especialmente após a eleição de Evo Morales.
O Brasil desempenha papéis cruciais na arquitetura geral da integração energética. As reservas de gás comprovadas no Brasil são relativamente pequenas (menos de 5% do total latino-americano), mas o país figura como grande mercado consumidor potencial. Atualmente, o gás representa cerca de 7,5% da matriz energética brasileira, mas essa proporção deve dobrar no horizonte de 2015. Além disso, existe a geografia: o gasoduto cortará o Brasil de norte a sul, atravessando as regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul e ramificando-se em direção ao Nordeste.
Os discursos dos líderes ocultam perspectivas nacionais bem distintas. Chávez proclama a integração latino-americana, enquanto a política externa brasileira tem como referência a integração sul-americana. Na Venezuela, a unidade é apresentada como parte de um projeto geopolítico antiimperialista, ou seja, anti-americano. No Brasil e na Argentina, ela é entendida como elemento de uma estratégia de inserção competitiva no mundo da globalização.
Nos campos político e estratégico, a unidade do subcontinente não passa de uma miragem. Mas, no campo mais pragmático da economia, a integração energética reflete um feixe de interesses compartilhados. É por isso que ela começa a sair do papel.
Boletim Mundo n° 1 Ano 14
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