Benjamin Teixeira Dourado
Bem vindos ao fim da era do petróleo”, dizia uma manchete do jornal Monde diplomatique, em maio. Soa alarmista, embora procedente. As estimativas variam, mas os especialistas calculam as reservas mundiais do “ouro negro” dão para mais meio século, preservados os níveis atuais de consumo. As reservas estratégicas dos Estados Unidos (tudo o que o país teria à sua disposição, se parasse de importar completamente) dão para mais três anos. Só que o consumo cresce a cada dia, de maneira incontrolável. E cresce porque toda a cultura contemporânea é ancorada no uso do petróleo. Assim, o “fim da era do petróleo” anuncia toda uma nova etapa na história da humanidade, com tremendas implicações culturais, além das políticas e econômicas.Para deixar isso mais claro, vamos listar os múltiplos usos do petróleo no cotidiano. Os produtos derivados do petróleo formam quatro grandes grupos: 1. combustíveis (gasolina, gás natural, gás liquefeito, óleo diesel, óleo combustível, querosene de aviação, combustíveis marítimos); 2. lubrificantes (óleos minerais, óleos graxos, óleos sintéticos e betume); 3. insumos petroquímicos (nafta e gasóleo); 4. derivados especiais (parafinas, solventes, asfalto, coque). Imagine, então, o que aconteceria se apenas um dos quatro grupos se tornasse escasso. Seria o caos.
O subgrupo das parafinas, apenas para citar um exemplo, é aplicado na fabricação do fósforo, e utilizado pelas seguintes indústrias: pilhas e baterias eletroquímicas; laticínios e frigoríficos; borrachas e pneumáticos; cosméticos; explosivos; ceras polidoras; farmacêutica (vaselinas e pomadas); agrícola (proteção de frutas e sementes); filmes fotográficos; arroz parabolizado; moldes para próteses dentárias. Os amantes da música, principalmente os colecionadores, vão se lembrar do vinil utilizado na fabricação dos antigos LPs. Ou pense em todos os artefatos que utilizam plástico – dos sacos de lixo aos telefones celulares.
Para citar um outro pequeno exemplo: o uso do gás como fonte de calor nos países temperados. No início do ano, a Rússia, maior produtora do combustível (responsável por 25% das exportações mundiais), quis quadruplicar o preço do gás cobrado aos ucranianos. Não houve acordo, e isso levou à interrupção momentânea do fornecimento do gás russo àquele país. Ocorre que passam pela Ucrânia os gasodutos que alimentam as distribuidoras européias. A breve interrupção foi suficiente para gerar pânico no âmbito da UE.
Multiplicaram-se apelos e ameaças, para que o fornecimento fosse imediatamente restabelecido, especialmente porque o inverno europeu prometia ser particularmente rigoroso, o que aumentaria a demanda. Moscou e Kiev chegaram, finalmente, a um acordo provisório, mas a possibilidade de novas crises é latente.
Mas há muitas outras implicações culturais, diretas e indiretas, quando se trata de analisar o que seria o mundo após a era do petróleo. As nossas atuais noções de tempo e espaço reais (isto é, não virtuais ou eletrônicas) foram construídas pelo uso do petróleo. Ele permitiu criar combustíveis com alto poder explosivo, capazes de alimentar motores de grande potência e velocidade – dos carros da fórmula 1 aos aviões, capazes de quebrar várias vezes a velocidade do som, e aos foguetes interplanetários. Em resumo: hoje, a nossa idéia de “longe” e “perto” é condicionada pelo petróleo, como no século XVIII o era pelo carvão. A nossa percepção do mundo físico terá que ser readequada ao uso de novos combustíveis.
Que tipo de material substituirá o petróleo em suas múltiplas aplicações? Até que ponto novos combustíveis implicarão o uso de novos meios de transporte, ou demandarão uma revolução na forma dos atualmente utilizados?
Governos e cientistas já trabalham com os mais distintos cenários. Em seu discurso sobre o estado da União, de 31 de janeiro, o presidente George W. Bush enfatizou a necessidade de os Estados Unidos irem “além do petróleo”. Em Berlim, uma reunião de especialistas em energia, realizada em 15 de fevereiro, destacou “o interesse estratégico” na diminuição da dependência européia de importações do Oriente Médio e da Rússia.
O Brasil assumiu uma posição de vanguarda mundial, em 1975, com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Hoje, tenta desenvolver o biocombustível, que promete ser uma das vertentes do futuro próximo.
Assim, se podemos afirmar que o petróleo tem os seus dias contados, ele ainda continua sendo uma fonte de energia fundamental e até agora insubstituível. E assim continuará, durante pelo menos quatro ou cinco décadas, até que a ciência e a tecnologia ofereçam alternativas viáveis.
História e Cultura n° 4 Ano 2
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