Quando a economia internacional aquecida permite a um país aumentar muito a exportação de commodities (produtos com cotação internacional de preços), acumulando grandes superávits de moedas fortes, a cotação de sua moeda tende a subir. Em conseqüência, suas exportações de produtos industriais ficam mais caras, perdem mercado internacional, as fábricas fecham e abrem em outros países, de custos mais baixos e moeda desvalorizada. Isso foi identificado pela primeira vez na Holanda que, nos anos 70, viveu um boom de exportações do petróleo extraído no Mar do Norte.
O fato é que o Brasil consolidou-se, nos últimos anos, como o maior exportador mundial de carnes, soja, álcool, açúcar e café. As exportações saltaram de US$ 60 bilhões em 2002 para US$ 118 bi no ano passado, quando o saldo da balança comercial registrou superávit superior a US$ 40 bi. As exportações continuam aquecidas: a previsão para esse ano é de US$ 124,5 bi, para importações de US$ 89 bi. Isso, claro, garante alguma estabilidade internacional e moeda valorizada diante do dólar e do euro. Mas o gigante exportador pode ter pés de barro.
Em 1996, o Brasil exportava 47% do farelo de soja consumido em todo o mundo e 12% da soja em grãos. Em 2005, a posição se inverteu, com o país respondendo por 41% da soja em grãos e 34% do farelo. A Argentina, de sua parte, aumentou sua fatia no comércio mundial de farelo de soja de 52%, em 1996, para 62% no ano passado. Quer dizer: o Brasil está exportando mais produtos de menor valor agregado, que exigem menor transformação, alcançam preços mais baixos lá fora e, lógico, geram menos empregos na indústria. Entre 1996 e 2005, as grandes empresas que operam o complexo da soja no Brasil investiram US$ 2 bilhões no aumento da capacidade industrial do setor...lá na Argentina.
A febre exportadora de commodities repercute diretamente sobre o mercado interno, “importando” preços internacionais (veja o Box). Além disso, ela sabota a indústria. Por conta do real valorizado, a Abicalçados, associação que reúne os produtores brasileiros de sapatos, calcula que 40 fábricas fecharam as portas nos últimos seis meses, apenas no Rio Grande do Sul, dando sumiço a 25 mil empregos. A Azaléia, um dos maiores produtores, já abriu uma fábrica na China. E duas grandes montadoras de automóveis, a Fiat e a GM, anunciaram em março que deverão aumentar o uso de autopeças importadas da Ásia, México e Europa em seus modelos.
Mais postos de trabalho deverão desaparecer. Para que o PIB brasileiro crescesse modestos 4% este ano, calcula-se que a indústria brasileira deveria avançar entre 6% e 7%. Em 2005, ela só cresceu 2,9%.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo em fevereiro, o jornalista econômico Luís Nassif lembrou que a cotação da moeda de um país deve refletir sua competitividade e o valor agregado de sua produção: apenas 31,8% das exportações brasileiras têm médio ou alto valor agregado e boa parte disso corresponde às exportações de TVs, celulares e aviões da Embraer, que poderão despencar caso o real continue supervalorizado. A cotação do real está, claramente, inflada pela “doença holandesa”.
A “doença holandesa” provoca outro efeito colateral: ela depende essencialmente da febre internacional por matérias-primas. Se houver um desaquecimento da economia mundial, com destaque para os Estados Unidos e a China, as exportações brasileiras despencarão. Só aí muitos perceberão que inúmeros empregos industriais terão desaparecido, por conta do real valorizado.
Na Holanda dos anos 70, a “doença” provocou alta do desemprego, parcialmente amenizada pelo fato de tratar-se de uma economia desenvolvida. Na Nigéria e na Venezuela dos anos 80, a queda da demanda do petróleo causou taxas recorde de desemprego. Adivinhe com qual dos dois exemplos o Brasil se parece mais.
Boletim Mundo n° 2 Ano 14
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