sábado, 31 de dezembro de 2011

LO QUE PASA EN NUESTRA AMÉRICA?

ESSES REGIMES CHAMADOS POPULISTAS APARECEM POIS COMO SISTEMAS DE TRANSIÇÃO QUE SE ESFORÇAM POR INTEGRAR AS CLASSES POPULARES NA ORDEM POLÍTICA E SOCIAL EXISTENTE ATRAVÉS DE UMA AÇÃO VOLUNTÁRIA DO ESTADO. (...) DAÍ DERIVA POSSIVELMENTE O ASPECTO DE PSICODRAMA RUIDOSO E ÀS VEZES INCOMPREENSIVELMENTE CAÓTICO QUE CARACTERIZA A IDEOLOGIA POPULISTA. A VIOLÊNCIA VERBAL É AÍ, GERALMENTE GLORIFICADA. A “EXTINÇÃO SIMBÓLICA” DAS OLIGARQUIAS, E MESMO DOS CAPITALISTAS OU DAS COMPANHIAS ESTRANGEIRAS, É FREQUENTEMENTE INVOCADA. É “O CAOS EM NOME DA ORDEM”. COM EFEITO, QUASE NÃO SE TOCA NOS INTERESSES DOS GRUPOS ASSIM ATACADOS. AS REFORMAS DE ESTRUTURA, QUANDO SE EFETUAM, O QUE É RARO, NÃO ULTRAPASSAM O ESTÁGIO EMBRIONÁRIO.
(ALAIN ROUQUIÉ, O EXTREMO-OCIDENTE: INTRODUÇÃO À AMÉRICA LATINA, SÃO PAULO, EDUSP, 1991, P. 235-236)

A revolução bolivariana” liderada pelo presidente Hugo Chávez, na Venezuela, no final dos anos 90, assinalou um novo momento na história da América Latina, marcado por uma “inflexão à esquerda”, em oposição às políticas de natureza liberal praticadas ao longo das duas décadas anteriores. É essa mesma “inflexão à esquerda” que explica, por exemplo, a grande “explosão” política e social verificada na Argentina (em dezembro de 2001), as vitórias eleitorais de Lula (Brasil, 2002) e Evo Morales (Bolívia, 2006), bem como a votação recebida pelo candidato nacionalista peruano Ollanta Humala. A “onda esquerdista” produz reflexos mesmo no México, quase levando ao poder o candidato Andrés Manuel López Obrador, que dividiu o eleitorado com o candidato conservador Felipe Calderón, em julho. A América Latina entra no século XXI, portanto, inspirada por ideais políticos e sociais que se julgavam superados após a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Análises desse tipo tornaram-se recorrentes, nos últimos anos, em jornais e veículos especializados de política internacional.
Elas têm a vantagem de propiciar uma visão panorâmica, imediata e uniforme sobre um quadro de conjunto, que abarca toda a América Latina. Aparentemente, permitem uma certa compreensão sobre o que acontece no cada vez mais complexo mundo globalizado, e por isso acabam tendo um efeito cômodo no leitor: “ah, sim, agora eu entendi”. Mas as coisas não são tão simples assim.
Em primeiro lugar, não há como colocar um sinal de igual, nem sequer de semelhança, entre governos tão díspares como o de Chávez, Lula e Morales, por exemplo. É verdade que a eleição dos três expressou, em situações e épocas distintas, um anseio de mudança por parte dos eleitores, que se recusaram a, novamente, consagrar nas urnas as mesmas faces conhecidas das elites tradicionais. Mas as respostas dadas pelos candidatos eleitos foram completamente diferentes.
Chávez adota uma retórica nacionalista, inspirada por ideais revolucionários do século XIX, diretamente extraídos do imaginário de Simon Bolívar sobre uma América Latina soberana, em oposição à Espanha e às potências européias. E, mesmo nesse caso, a coisa toda se complica, quando consideramos que a unidade que Bolívar tinha em mente, pouco ou nada tinha a ver com a proposta de integração feita por Chávez. O presidente venezuelano criou uma base mitológica para dar sustentação a um discurso atual e antiimperialista, que tem, como uma de suas colunas centrais, a defesa da soberania sobre os recursos energéticos (petróleo, gás).
Lula, ao contrário, mantém um governo basicamente alinhado a Washington (como, aliás, faz o governo socialista chileno de Michelle Bachelet, eleito em 2005). A pretexto de “preservar todos os contratos”, seu governo mantém, basicamente, as mesmas políticas econômicas e financeiras construídas pelos antecessores (Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso). O verniz social de seu governo (programas como o Fome Zero, o Bolsa Família e o Prouni) assume uma caráter nitidamente assistencialista, em nada alterando o perfil concentrador de renda secularmente característico da economia brasileira. Em outros termos, não produz qualquer alteração estrutural.
Já Evo Morales apresenta uma plataforma muito mais endereçada às reivindicações tradicionalmente levantadas pelos povos originários (ou “indígenas”) do que comprometida com uma doutrina que se poderia, propriamente, qualificar como de “direita” ou de “esquerda”. Apenas na medida em que os povos originários representam os setores mais pobres, especialmente aqueles vinculados à agricultura familiar e aos cultivos tradicionais, como o da coca, seus interesses se chocam com os das elites e do império americano.
E isso para não mencionar Humala, que recebeu o voto das massas pobres do interior do Peru e teve os apoios de Chávez e Morales mas nada tem a ver com as doutrinas políticas de esquerda. Antes pelo contrário: a sua plataforma ultranacionalista, baseada na nostalgia do “paraíso perdido” do império inca, apresenta nítidos traços fascistas.
O caso da Argentina é, de certa forma, o mais complexo entre todos, do ponto de vista ideológico. O presidente Néstor Kirchner desenvolve uma política muito mais “esquerdista” (no sentido bem amplo do conceito) do que, por exemplo, Lula. Kirchner não se comprometeu a “respeitar os contratos”. Ao contrário, decretou a suspensão do pagamento da dívida aos bancos privados e não aceitou as condições impostas pelo FMI.
Tornou-se uma espécie de “ovelha negra”, ao lado de Chávez e Morales, embora com coloração menos radical. Apesar disso, Kirchner continua a ser um representante do peronismo, perfeitamente identificado com um setor da elite argentina.
Sua postura “combativa” se explica, em parte, pelo fato de dever muito dinheiro à Venezuela de Hugo Chávez, que empregou centenas de milhões de petrodólares para comprar títulos da dívida argentina, numa época em que tais papéis não tinham valor nenhum no mercado, por falta de credibilidade quanto à capacidade do país de honrá-los.
Assim, nenhuma análise simplificadora é capaz de dar conta da complexidade do atual cenário político latino-americano.
Simplesmente, é impossível falar em “guinada à esquerda”, como se fosse um processo homogêneo e isento de contradições.
Também não vale substituir a análise por um rótulo mágico, como o populismo. Por outro lado, é óbvio que alguma coisa aconteceu nos últimos anos. Na última década, mudaram, e muito, as relações dos países latino-americanos entre si, e deles com outros países e blocos.
Os povos originários ingressaram com força inédita nos palcos das políticas nacionais (especialmente, na Bolívia, no Equador e no Peru, como antes haviam surgido ao sul do México), os partidos tradicionais das elites sofreram abalos sísmicos, as formas normais de representação política (parlamentos e outras instâncias de legislação e exercício de poder) foram questionadas. Trata-se de um processo em curso, com formas e destinação final impossíveis de prever. Talvez a única certeza perene é a de que “nuestra América” continua tão complexa e explosiva como sempre foi ao longo de sua história.

Boletim Mundo n° 4 Ano 14

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