São Paulo, segunda-feira, 15 de maio: alarmadas por notícias sobre ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), milhões de pessoas voltaram mais cedo para suas casas. O comércio fechou, tudo parou. Às 20 horas, as ruas estavam desertas, como não costumam ficar sequer aos feriados. O que levou tanta gente ao pânico?
Uma primeira resposta surge fácil: a culpa foi dos meios de comunicação, que exageraram nas notícias sobre a intensidade da guerra entre a polícia e o PCC. Será mesmo? É temerário supor que a mídia exerce um poder tão grande sobre a sociedade. Claro que os meios de comunicação – especialmente a televisão –, ávidos de sensação e audiência, ajudaram a disseminar o clima de “fim de mundo” e assim contribuíram para construir um ambiente histérico. Mas não foram eles que criaram o pânico.O pânico já estava instalado, apenas à espera da ocasião propícia para eclodir.
É mais fácil ver isso retrospectivamente, quando pensamos em outros processos de pânico de massa sem causa real aparente. O mais célebre deles, provavelmente, aconteceu nos Estados Unidos, em 30 de outubro de 1938, após a transmissão radiofônica da “guerra dos mundos”, por Orson Welles. Às vésperas da “noite das bruxas” (Halloween), Welles anunciou aos 6 milhões de ouvintes da rede CBS que o país sofria uma invasão de marcianos.
O roteiro era baseado na ficção escrita por H. G. Welles. A audiência ignorou o aviso de que se tratava de uma brincadeira.
Resultado: centenas de milhares de pessoas que viviam no campo entupiram rodovias rumo às cidades mais próximas, e vice-versa; gente saiu às ruas aos prantos.
O professor Hadley Cantril e outros que analisaram o caso concluíram que a histeria foi produzida pela sensação de insegurança que então atormentava o cidadão médio estadunidense. O país ainda sentia os efeitos da Grande Depressão, que, em 1929, havia destruído a economia, o american dream e a ilusão de que a crise que dilacerava a Europa jamais atingiria os Estados Unidos. As instituições políticas e econômicas estavam em frangalhos, nada funcionava direito, exceto os grupos mafiosos, o desemprego atormentava milhões de famílias e os tambores da guerra soavam no outro lado do Atlântico.
Não por acaso, nessa conjuntura, em 1933, surgiu Superman, um ser dotado de poderes especiais e voltado para o “bem estar social” (a expressão entre aspas é usada aqui propositadamente: alguns historiadores acreditam que Superman encarnava os ideais do Estado protetor dos mais fracos que começava a ser construído por Franklyn Roosevelt).
Guardadas as devidas proporções e relativizações históricas, o cidadão brasileiro médio de 2006 tampouco pode esperar muito das instituições públicas, especialmente após o “mensalão” e os sucessivos escândalos de corrupção. Ninguém, principalmente os mais pobres, pode confiar nos sistemas públicos de saúde, ensino, previdência, infra-estrutura sanitária e de segurança.
O governo é obrigado a admitir que 54 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de miséria (segundo critérios bem frouxos, aliás, que situam a linha de pobreza na faixa de quem ganha até um irrisório dólar, ou R$ 2,50 por dia), e 14 milhões passam fome. Mesmo o brasileiro de classe média, que ainda tem a sua pequena propriedade, o seu carro e um título universitário sabe que a crescente concentração de riqueza torna a vida cada vez mais cara e o futuro cada vez mais incerto. Quem pode hoje, com tranqüilidade, pagar o estudo de vários filhos, os planos de saúde de pais idosos e ainda salvar algum para garantir a aposentadoria?
Outra analogia ajuda a entender a sensação de insegurança, principalmente a da população pobre que vive nas metrópoles: o pouco caso do Estado para com aqueles que não podem pagar por serviços privados assemelha-se ao descaso mostrado pelo governo Bush para com as vítimas do furacão Katrina, no final do ano passado.
Os ricos de New Orleans se salvaram rapidamente, mobilizando recursos próprios; os pobres foram abandonados à própria sorte: 1.500, pelo menos, morreram.
A maioria dos brasileiros está tão abandonada quanto os pobres de New Orleans. Só que o nosso Katrina não é uma criação da natureza e sim da desigualdade social. Se mesmo a classe média é afetada pelo sucateamento do Estado, é na favela que o Katrina social atinge a sua plenitude. Os favelados são obrigados a conviver com os bandos que se organizam em torno do narcotráfico, mas não enxergam na polícia uma força capaz de conter ou reprimir tais bandos; ao contrário: não raro, grupos da polícia coexistem com o crime.
A população não enxergou o conflito entre polícia e PCC como uma luta entre forças da ordem contra o caos, mas sim como uma guerra entre bandos organizados, e ela bem no meio, sem proteção alguma. O pânico de São Paulo teve como ingredientes a frustração com o passado, a perplexidade face ao presente e o medo do futuro.
Mas não há Superman.
História e Cultura n° 4 Ano 2
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