quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DE JK A LULA, DO SIMCA AO GEELY

Novo ciclo da indústria automobilística transforma o Brasil em plataforma de exportação global de veículos e atrai investimentos chineses para o país.

A recente minissérie de TV JK reviveu uma das imagens mais marcantes do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960). O presidente, todo sorrisos, ao acenar para o público do teto solar de um Fusca novinho em folha, saindo da fábrica de São Bernardo do Campo (SP), era a imagem da nova indústria automobilística brasileira.
Quatro décadas depois, o Brasil fechou 2005 produzindo quase 2,4 milhões de veículos: mordeu os calcanhares do Canadá e o posto de sétimo maior produtor mundial. Mas a atual indústria automotiva brasileira tem pouco a ver com aquela dos tempos de JK. Para começar, Juscelino montou um tripé responsável pela implantação do setor automotivo.
O Estado se responsabilizava pela infra-estrutura e pela indústria de base – energia, siderurgia, petróleo. O capital estrangeiro instalava as grandes montadoras: as pioneiras vieram da Europa (Simca e Renault, da França, Volkswagen e Auto Union/DKW, da Alemanha). E o setor de autopeças foi reservado à indústria nacional. Quase todo o parque automotivo foi instalado em São Paulo e no ABCD, junto ao maior mercado consumidor do país.
Apenas um dos pontos de apoio desse tripé sobreviveu: as grandes montadoras que operam no país continuam a ser multinacionais – americanas, européias e japonesas.
A indústria nacional de autopeças (incluindo marcas tradicionais, como Cofap e Metal Leve) quase desapareceu com a abertura da economia à concorrência internacional, nos anos 90. E os investimentos estatais minguaram por conta da consolidação das políticas de cortes em gastos públicos. Os maiores “investimentos”, na verdade, são as reduções drásticas de impostos que estados e municípios vêm aplicando para atrair as montadoras. Por isso, 30% da produção atual de veículos vem de estados como a Bahia (Ford), Rio Grande do Sul (GM), Paraná (Renault e Volvo) e Minas Gerais (Fiat).
De JK a Lula, a indústria automobilística nacional passou por várias ondas. Uma delas foi a instituição do Mercosul, em 1991. Uma vez que diversas montadoras operavam no Brasil e na Argentina, seus dirigentes rapidamente enxergaram a oportunidade de reduzir muito os custos, integrando a produção dos dois países. Cada fábrica especializou-se em um modelo ou na produção de determinados componentes, o que provocou o corte de milhares de postos de trabalho dos dois lados da fronteira, mas também um forte aumento da competitividade no mercado internacional.
A Fiat, ao se instalar em Betim, na Grande Belo Horizonte (1975), trouxe para o país o toyotismo. O conceito, iniciado na Toyota japonesa, designa a concentração de fornecedores de autopeças ao lado da montadora, para podar pela raiz os custos com transportes e estoques.
A planta industrial da GM em Gravataí (RS) vem operando sob um novo conceito, o de fornecedores sistemistas.
Fabricantes de autopeças instalados ao lado da montadora entregam sistemas prontinhos – transmissão, travamento de portas, frenagem – para serem montados dentro da GM.
A experiência mais revolucionária de “sistemismo” no Brasil veio com o fim da Autolatina – que unia a Volkswagen e a Ford – o que forçou a montadora alemã a ousar muito em sua nova fábrica de caminhões em Rezende (RJ). Sem knowhow e condições de construir caminhões sozinha, a VW convocou seus fornecedores a fabricar sistemas completos dentro de sua própria fábrica. A montadora apenas integra os sistemas. O modelo é tão avançado que sequer a VW conseguiu levá-lo a outros países.
Os ganhos de produtividade levaram o Brasil a se transformar em plataforma exportadora global de veículos, embora o mercado interno esteja estagnado há anos.
Novas montadoras decidiram instalar-se no país – Honda, Citroën e Renault, que retornou ao Brasil dezenas de anos depois de ter vendido sua primeira fábrica.
Agora, o Brasil começa a atrair a atenção de montadoras indianas, sul-coreanas e, principalmente, chinesas. Atenção para a China, país que, desde os anos 90, vem repetindo o que o Japão fez nas décadas de 50 e 60, e a Coréia do Sul nas duas décadas seguintes. Trata-se de atrair montadoras estrangeiras para seu território, absorver o know how e produzir mais e mais barato, de forma a engolir o mercado de seus mestres.
Os Estados Unidos e o Japão apresentam produção automotiva declinante. Calcula-se que a indústria automobilística chinesa supere a produção do Japão em 2010. Seus segredos? O primeiro é substituir os caríssimos robôs e sistemas industriais pela abundante e barata mão-de-obra local. E, também, copiar os modelos ocidentais e japoneses sem pagar um tostão em propriedade intelectual – recentemente, a Toyota e a GM sofreram uma dura derrota judicial, já que os tribunais da China ignoram solenemente o conceito de direitos de autor. Um ex-funcionário da VW chinesa ergueu a Geely – que produz mais de cem mil veículos ao ano, cópias escancaradas de modelos da Volks. A diferença: custam perto de US$ 3.500, menos da metade de seus “primos” de origem alemã.
A indústria chinesa já exporta 2% da sua produção e agora fala em comprar indústrias para produzir em solo estrangeiro. Quer dizer: se o Simca Chambord e a Vemaguette DKW fizeram a alegria de seus pais e avós, talvez em pouco tempo seu sonho de consumo seja viajar em um Geely, um Brilliance ou em quase impronunciáveis FHAC, SAIC e FAW.
Boletim Mundo n° 1 Ano 14

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