sábado, 31 de dezembro de 2011

SANTOS DUMONT, PIONEIRO DO PODER AÉREO

Cem anos atrás, o vôo inaugural do 14 Bis desvendou novos caminhos para a globalização e para a arte da destruição.

Há um século, em 23 de outubro de 1906, em Paris, perante inúmeras testemunhas, o 14 Bis alçou vôo e fincou um marco histórico na aventura da aviação. O brasileiro Alberto Santos Dumont, segundo a versão preferida entre nós, tornou-se o primeiro homem a realizar um vôo controlado a bordo de um veículo aéreo mais pesado que o ar.
A primazia de Santos Dumont não é aceita na maior parte do mundo. O francês Clement Ader fez um vôo mantido em segredo militar em 1890, mas seu aeroplano não era uma máquina muito controlada. O britânico Percy Pilcher pode ter sido o pioneiro, em 1899, mas seu vôo não foi adequadamente documentado. O americano Gustave Whitehead fez um vôo registrado por jornais, mas não fotografado, em 1901. Os também americanos Orville e Wilbur Wright realizaram seus vôos iniciais em 17 de dezembro de 1903 e são geralmente considerados os “pais da aviação”.
O 14 Bis, contudo, realizou o primeiro vôo oficialmente fotografado sem ajuda de catapultas, trilhos ou ventos excepcionais. De certa maneira, a atual Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), uma das raras exportadoras de alta tecnologia do país, representa uma continuidade da experiência pioneira daquele que recebeu, no Brasil, a alcunha de “pai da aviação”.
Desde Santos Dumont, a aviação apresentou rápida e contínua evolução, tanto no que diz respeito ao uso de aviões no transporte voltado para fins comerciais (carga e passageiros), como no que diz respeito aos usos de caráter militar.
A expansão do transporte de cargas em larga escala teve grande aceleração a partir do final da Segunda Guerra Mundial e o transporte de pessoas “explodiu” com o aumento da atividade turística, que abrange lazer e negócios, a partir da segunda metade da década de 80.
O maior fluxo de cargas e passageiros, assim como o maior número de rotas aéreas concentram-se no hemisfério norte, tendo como pontos nodais os Estados Unidos, os países da Europa Ocidental e os do Extremo Oriente. Não é casual que esse maior movimento ocorra nas áreas do mundo onde se localizam as economias mais desenvolvidas.
Os aeroportos com o maior movimento de passageiros são os de Atlanta, (82 milhões) e de Chicago (75 milhões), ambos nos Estados Unidos. O de maior tráfego aéreo internacional é o de Heatrow, em Londres (média de 460 mil pousos/decolagens/ano). O de maior movimento de cargas é o de Memphis, nos Estados Unidos.
O aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, um dos mais movimentados do “sul subdesenvolvido”, ocupa apenas o 65º lugar no ranking de passageiros.
O desenvolvimento da aviação teve repercussões no pensamento geopolítico. Uma das primeiras teorias sobre a grande estratégia foi a do poder marítimo, desenvolvida pelo almirante americano Alfred Thayer Mahan, no final do século XIX. Mahan, interessado no desenvolvimento da marinha de guerra dos Estados Unidos, defendia a idéia de que o controle dos mares para fins comerciais e militares era um fator crucial para que um país tivesse relevância política no contexto internacional. A construção do Canal do Panamá, unindo os oceanos Atlântico e Pacífico através do istmo centro-americano, inspirou-se no pensamento de Mahan.
Já a teoria do poder continental teve no britânico Halford J. Mackinder seu grande expoente. Sua idéia principal, exposta no início do século XX, baseava-se na tese de que o controle sobre determinada porção do território da Eurásia – especificamente as planícies russa e polonesa – funcionaria como plataforma para o domínio de toda a Eurásia. Assim, quem controlasse o heartland (região nuclear) estaria em condições de exercer um poder mundial. As idéias de Mackinder influenciaram a delimitação das novas fronteiras surgidas na Europa Oriental ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-18), cujo exemplo emblemático foi a criação do “corredor polonês” de Dantzig.
A aviação revelou todo o seu poder na Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando a Grande Alemanha de Hitler sofreu incessantes campanhas de bombardeios aéreos arrasadores. Enquanto as bombas arruinavam as velhas cidades alemãs, Alexander De Seversky elaborava a tese da supremacia do poder aéreo. De Seversky nasceu na Geórgia, que pertencia ao Império Russo, em 1894, serviu à Rússia como piloto de caça na Primeira Guerra Mundial e exilou-se nos Estados Unidos em 1927, tornando- se cidadão americano. Segundo ele, a cena principal e decisiva dos conflitos modernos não estaria na terra, nem no mar, mas no “oceano de ar”. Essas considerações permeiam ainda hoje o conceito de poder aéreo.
A figura jurídica do espaço aéreo nacional surgiu com o advento do avião. Até a Primeira Guerra Mundial, o sobrevôo de um país não era objeto de restrições. A crescente importância militar da aviação levou primeiramente à limitação do sobrevôo, que ficava controlado apenas abaixo de determinada altitude. Quando se percebeu o valor da aviação na observação e coleta de informações cada vez mais precisas sobre localizações estratégicas e aumentou o poder de destruição de aviões em vôo alto, as restrições para o uso dos espaços aéreos nacionais foram apertadas.
Atualmente, o conceito de soberania sobre o espaço aéreo está relacionado com a capacidade de cada país em impedir o sobrevôo de seu território por aeronaves não autorizadas.
A implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), no Brasil, ilustra esse tipo de preocupação.
As tecnologias aeroespaciais colocam em xeque o conceito de soberania sobre os espaços aéreos nacionais. As grandes potências, detentoras de satélites-espiões, em órbitas semi-estacionárias e equipados com sofisticados sistemas de observação, têm a capacidade de obter informações sobre todos os territórios nacionais.
Mas, em certas circunstâncias, o poder aéreo serve a grupos armados não-estatais. Não convém esquecer que o século XXI foi inaugurado, na política mundial, com os ataques terroristas às Torres Gêmeas e ao Pentágono, levados a cabo por meio do invento de Santos Dumont.

Boletim Mundo n° 6 Ano 14

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