sábado, 31 de dezembro de 2011

Plutão, Ser ou Não Ser?

Thales Trigo

Plutão perdeu seu título de o mais distante dos planetas, por decisão da última Assembléia Geral da União Astronômica Internacional (UAI), realizada no final de agosto, em Praga.
Desde tempo imemoriais, observando o céu, o ser humano percebeu que alguns objetos vagavam pelo firmamento em trajetórias diferentes das estrelas. As estrelas apresentam um movimento muito estável, que é resultado do movimento de rotação da Terra. Os outros corpos – os de trajetórias peculiares ou errantes – foram chamados de planetas pelos gregos.
Ao longo da história, a partir de observações a olho nu e, depois, com o advento do telescópio, usado por Galileu Galileu no início do século XVII, os planetas foram sendo “descobertos” e nomeados.
O último deles, justamente Plutão, foi descoberto a 18 de fevereiro de 1930 pelo astrônomo americano Clyde W. Tombaugh.
A partir desse conhecimento acumulado durante séculos estabeleceu-se a nossa “visão”do Sistema Solar – um conjunto de corpos que orbitam em torno de nossa estrela, o Sol. Naturalmente, o modelo do Sistema Solar passou por algumas “revisões” ao longo do tempo. No universo cultural ocidental, considerando a Grécia como berço dessa cultura, diversos modelos foram propostos, aceitos durante um período e depois substituídos.
Desde Aristóteles os nossos dias, em que utilizamos o modelo heliocêntrico, os modelos científicos são tentativas de tornarmos a natureza inteligível, isto é, entendermos como os processos naturais ocorrem.
A ciência, de certo modo, é uma ordenação desses modelos que, descritivos ou matemáticos, não passam de tentativas de descrevermos o mundo. Sob esse aspecto, o Sistema Solar com seus nove e conhecidos planetas era bastante prático.
As crianças, a partir de certa idade, às vezes precocemente, são capazes de “entender”o Sol no centro e os planetas girando ao seu redor. O modelo compunha- se de quatro planetas mais internos, pequenos e “sólidos” (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte), quatro planetas gigantes, externos e gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) e, lá bem distante, um outro planetinha gelado e “sólido”, que é Plutão. Esse modelo apresentava diversidade, o que pode se muito útil quando se exercita o pensamento científico.
Muitos associavam o modelo planetário com o próprio modelo atômico em escala reduzida: um núcleo central com carga positiva e um conjunto de elétrons, com cargas negativas orbitando o núcleo.
As diferenças existem e são relevantes, mas o que importa mesmo é o treino: pensar em modelos para entender a natureza, pelo menos de forma parcial.
Desde 1919, a UAI é responsável, entre outras coisas, pela classificação de objetos astronômicos, determinação de nomes de objetos e publicação de boletins diários sobre eventos astronômicos.
Depois de anos de debates, um comitê da UAI constituído por notáveis na área de estudos planetários propôs critérios para se definir um objeto como planeta.
Assim, a partir de agora, um objeto astronômico pode ser considerado planeta se:
1. orbitar uma estrela, sem ele mesmo ser uma estrela;
2. não for satélite de um planeta;
3. possuir massa suficiente para que seu campo gravitacional possa torná-lo praticamente esférico;
4. possuir força gravitacional suficiente para “limpar a sua órbita”, eliminando objetos de massa comparável à sua.
Plutão sempre gerou controvérsias. Ele é muito pequeno, com diâmetro de apenas 2.300 quilômetros. A Terra tem 12.750 quilômetros de diâmetro e a Lua, 3.480 quilômetros. Além disso, a órbita de Plutão é muito inclinada em relação ao plano do Sistema Solar, diferente dos outros planetas, o que indicaria que não se formou junto com os demais. Finalmente, Plutão forma um sistema binário com Caronte, um objeto tradicionalmente descrito como seu maior satélite. Isso significa que os dois giram em torno de um centro de gravidade entre eles.
Quando rebaixou Plutão à condição de “planeta-anão”, a UAI não estava especialmente preocupada com o Sistema Solar.
A decisão reflete muito mais o interesse em objetos que estão sendo observados fora do Sistema Solar.
Até agora, uma dezena de planetas já foram detectados orbitando outras estrelas.
Com a melhoria nas técnicas de observação, muitos outros devem ser descobertos e catalogados nos próximos anos, de forma que um padrão mais criterioso precisava ser estabelecido. A classificação de novos sistemas planetários passa por dois estágios: a da estrela central, o que já é feito há décadas pois esse tipo de observação é mais simples, uma vez que os objetos são muito luminosos, e a classificação dos próprios planetas.
No futuro próximo, o estudo de planetas fora do Sistema Solar será um dos mais instigantes ramos da astronomia.
O campo abrange a dinâmica planetária, isto é, o estudo das órbitas e das situações de estabilidade; a física da formação dos planetas, com todas as implicações associadas à própria criação do Sistema Solar; e, naturalmente, análises sobre eventuais possibilidades da existência de vida.
Certamente, a exclusão de Plutão do grupo planetário é apenas técnica e, durante um bom tempo, Plutão continuará sendo considerado como um planeta – principalmente pelos mais velhos.
Nos Estados Unidos, previsivelmente, um grupo de astrônomos se rebelou contra a decisão da UAI. Eles planejam convocar, no próximo ano, uma reunião consagrada a rediscutir o tema existencial: Plutão, ser ou não ser? Alheio a isso tudo, Plutão segue na sua trajetória distante e fria.

Boletim Mundo n° 6 Ano 14

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