domingo, 18 de dezembro de 2011

O CÓDIGO DO SUCESSO COMERCIAL

Elaine Senise Barbosa

Dan Brown, autor de O Código da Vinci, criou uma história de forte impacto ao construir uma narrativa aliando religião e mistério – uma fórmula que sempre funciona. A filósofa alemã Hanna Arendt, que estudou fenômenos políticos de massa nos séculos XIX e XX, já chamava a atenção para a atração que as pessoas têm por teorias conspiratórias, porque estas ajudam a dar um sentido à vida, quando aparentemente “revelam” aquilo que parece um “mistério”.
O mérito de Dan Brown foi criar um enredo policial a partir de lacunas sobre a história do Catolicismo. Somente um personagem como a Igreja – uma organização de 2000 anos – seria capaz de unir numa mesma trama paganismo, Cruzadas, Leonardo da Vinci e a superpop Monalisa, além da Opus Dei. À Igreja coube o papel de vilã da história, o que é previsível.
Mas a polêmica instalada a propósito de um livro de entretenimento revela como, atualmente, a temática religiosa sensibiliza as pessoas.
A impressão é que nem o próprio autor imaginava causar tanta polêmica. Pelo contrário, no capítulo 60, após acrescentar o dado mais fantasioso da narrativa – a linhagem “francesa” de Jesus – mas sem a qual não haveria a história do Graal e do Código, Dan Brown escreve um parágrafo para lembrar que a história é sempre uma narrativa tendenciosa, citando uma fala de Napoleão: “uma fábula sobre a qual todos concordam”. Ou seja, ele mesmo relativiza a história do Graal e mostra que toda narrativa organiza as informações da maneira que melhor convém.
O aspecto positivo dessa discussão é chamar a atenção para as origens do Cristianismo, contribuindo para o entendimento da história da Igreja que é, de fato, o alicerce da civilização ocidental.
A trama fundamental de O Código da Vinci baseia-se na rejeição à mulher – representada por Madalena – e no que ela representa. O suposto casamento de Jesus e Maria Madalena e a geração de uma linhagem divina escondida das garras da Opus Dei é essencialmente fantasioso.
Mas é verdadeira a carga negativa que o Catolicismo imprimiu ao sexo, transformado por Santo Agostinho, no século V, em grande pecado. Nas tradições pagãs, que a Igreja combateria por toda a Idade Média, a sexualidade aparece muito mais associada à natureza, aos atos de vida-reprodução- morte de todos os seres. Para os católicos havia uma tendência em associar a castidade à elevação espiritual.
Nos primeiros séculos do Cristianismo as mulheres participaram ativamente da construção da seita, como convertidas e pregadoras – inclusive com celebração do rito eucarístico. É possível que alguns grupos tenham dado maior destaque à figura de Madalena, ou às mulheres em geral.
E o Código da Vinci colocou essa questão: quem definiu que a Igreja era um espaço de homens? O que aconteceu às mulheres durante o processo de formação da Igreja Católica?
Mas esse tipo de pergunta também pode ser feito sobre outros temas, pois a inexistência de uma doutrina definida provocava muitas divergências entre as primeiras comunidades cristãs, especialmente sobre os Evangelhos.
Daí a importância do Concílio de Nicéia convocado pelo imperador Constantino em 325 e citado no Código como ponto de partida para a conspiração da Igreja contra as mulheres. Na verdade foi uma importante reunião com cerca de 300 bispos vindos de todas as terras ao redor do Mediterrâneo, graças o patrocínio do Império Romano. Constantino desejava ver resolvidas as questões que dividiam a Igreja com a finalidade de apoiar-se nos católicos para governar.
Ali foram discutidas importantes questões doutrinárias, especialmente sobre a natureza de Jesus – humana, divina, ambas? E, depois disso, sob as bênçãos do Império Romano, a Igreja tornou-se a defensora da unicidade – Pai, Filho e Espírito Santo são a mesma substância. Esse é o conteúdo da oração do Credo. E os que discordavam passaram a ser chamados hereges, os equivocados.
Também em Nicéia foi feita a seleção dos Evangelhos que comporiam o Novo Testamento e, por exclusão, os apócrifos (isto é, “falsos”, destoantes daqueles que a maioria ali reunida escolheu), entre os quais o Evangelho de Madalena, hoje conhecido pelos manuscritos de Nag Hammadi.
Com o apoio do Império Romano, e cada vez mais identificada com ele, a Igreja consolidava-se como uma instituição, isto é, um organismo definido a partir de certos preceitos, práticas e hierarquias. Um desses preceitos foi associar o sacerdócio à condição masculina.
Isso porque para os primeiros cristãos, herdeiros de seitas judaicas e tradições filosóficas greco-helenísticas, a capacidade de renegar o sexo revelava espiritualização. Assim, aqueles que viviam em Cristo abdicavam do mais íntimo ato humano, o mais visceralmente ligado à matéria e à carne, bem como de uma vida familiar, a fim de dedicarem-se integralmente à comunidade de fiéis. E, dada a dificuldade de eliminar esse aspecto da vida, uma das soluções implicou no afastamento das mulheres, bem como na renúncia ao sexo.

História e Cultura n° 4 Ano 2

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