Quando José de San Martin (1778-1850), líder da independência da Argentina, Chile e Peru, saiu sem um acordo da sala em que se reunira com Simón Bolívar (1783-1830), pioneiro das independências da Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia e Peru, em um dia de 1822 em Guayaquil, no atual Equador, naufragava a primeira tentativa de unificação da América hispânica em uma Confederação de Estados, à imagem dos Estados Unidos da América.
Do encontro de Guayaquil em diante houve inúmeros ensaios para unificar o continente, partes dele, as populações indígenas, além de uma infinidade de ensaios de blocos comerciais e parcerias. Todos fracassaram, fosse pela impossibilidade de unificar os interesses dos grupos dominantes regionais, fosse pela distância que o Brasil sempre manteve de los hermanos da América hispânica, pela desconfiança dos países menores diante do hegemonismo de brasileiros e argentinos ou, ainda, pela ausência de fontes de financiamento que permitissem criar mecanismos de redução das discrepâncias entre as menores e as maiores economia do continente. Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com a União Européia.
O fracasso da aliança entre Bolívar e San Martín foi o primeiro passo para que os blocos de nações articulados pelos dois líderes se desfizessem. A Confederação das Nações da América Hispânica, que Bolívar criaria em 1826, terminou em 1830. Na raiz, a resistência de elites locais à existência de um poder centralizado.
Uma resistência que, aliás, só não fragmentou também o Brasil por conta da sobrevivência do Estado após a independência e do interesse compartilhado das oligarquias na manutenção da escravidão.
Ainda durante o domínio espanhol, um líder indígena assumiu o nome de Tupac Amaru II, em homenagem ao último soberano do império inca e comandou uma revolta que empolgou várias regiões. Defendendo a libertação dos povos indígenas e a reconstrução do Tahuantinsuyo, o Reino das Quatro Partes, como o império inca se denominava, Tupac Amaru terminou preso, derrotado e supliciado em Cuzco, em 1780.
O indigenismo ressurgiria em vários outros movimentos “unificadores”. Um de seus teóricos mais conhecidos foi o peruano Victor Haya de la Torre (1895-1979), fundador da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), que, nos anos 30 e 40 do século XX, se propunha a ser um partido hispano-americano associado à melhoria de condições de vida das populações indígenas e mestiças. A defesa da união das populações indígenas da América Latina sobrevive até hoje, principalmente entre os movimentos sociais bolivianos.
Na esfera econômica, as teses de maior colaboração entre os países da América Latina ganharam força no pós-guerra, sob o impulso da descolonização afro-asiática e da emergência da noção de Terceiro Mundo.
Em 1948, nascia a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), organismo da ONU que, sob a liderança do economista argentino Raúl Prebisch, seria um celeiro de produção de teses e projetos sobre o desenvolvimento industrial da América Latina a partir de investimentos do Estado, da substituição de importações e da cooperação regional. Nos anos 60, a Cepal passou a defender também reformas sociais destinadas a melhorar a distribuição de renda e ampliar os mercados internos dos países latino americanos, como forma de assentar as bases para o desenvolvimento.
As idéias da Cepal inspiraram a criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), nascida em 1960 com a ousada missão de criar uma área de livre comércio entre os países associados em um prazo de 12 anos. Mas a Alalc naufragou pois os Estados membros, cada um mantendo relações diferenciadas com a Europa e com os Estados Unidos, revelaram-se incapazes de alcançar uma tarifa comum para importações.
A Alalc se transformaria em Associação Latino- Americana de Desenvolvimento e Integração (Aladi) em 1980, quando foram enterradas as grandes ambições integradoras.
Mais sucesso alcançaram as tentativas de compor blocos econômicos regionais. O Pacto Andino, por exemplo, criado em 1969 por Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela, conseguiu liberalizar a circulação interna de mercadorias produzidas em cada país. O maior obstáculo, que condenou o Pacto Andino à paralisia a partir da década de 80, é que todos os países-membros mantêm fluxos de comércio predominantes com os Estados Unidos.
Talvez a tentativa de maior êxito de integração regional tenha sido o Mercosul, criado em 1991 por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A chave do sucesso foi o fato de que ramos industriais inteiros – como o automobilístico e o de alimentos – abraçaram o Mercosul como instrumento para integrar seus processos, reduzindo custos.
O comércio entre os sócios do Mercosul multiplicou-se várias vezes em poucos anos. Mas o Mercosul esbarrou na incapacidade de gerar políticas próprias que lhe permitissem negociar em melhores condições com as grandes potências econômicas. Sem ver novas vantagens no Mercosul, a Argentina passou, nos últimos anos, a recriar barreiras aos produtos brasileiros.
A noção de América Latina sustenta-se na oposição entre ela e a América Anglo-Saxônica. A criação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), em 1994, incorporou o México ao bloco constituído por Estados Unidos e Canadá – e feriu, talvez mortalmente, a representação de um conjunto latino-americano. Recentemente, com o fracasso das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), os Estados Unidos engajaram-se no estabelecimento de tratados comerciais bilaterais com países da América Latina.
O Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta), com os países do istmo, e os tratados de livre comércio (TLCs) com o Chile, a Colômbia, o Equador e o Peru surgiram dessa política. Agora, Uruguai e Paraguai acenam com a hipótese de firmarem seus próprios TLCs com Washington, decompondo o Mercosul.
Por iniciativa do Brasil, em 2004, os presidentes sul americanos anunciaram a criação de uma Comunidade Sul americana de Nações (Casa). A história antiga e recente não oferece sinais auspiciosos. E, por enquanto, a Casa não passa de uma sigla em busca de um significado.
Boletim Mundo n° 4 Ano 14
Nenhum comentário:
Postar um comentário