Na Organização Mundial de Comércio (OMC), cada país tem um voto. Mas, no comércio mundial, a igualdade está ausente: cinco potências ou grupos de países controlam 63% das exportações e 68% das importações globais.
Estados Unidos, União Européia, Japão, China e Novos Países Industrializados (NPIs, ou Tigres Asiáticos) dominam os fluxos internacionais de mercadorias.Os Estados Unidos ocupam o lugar de maior potência comercial do mundo, mas seu intercâmbio externo caracteriza-se por um desequilíbrio estrutural expresso no imenso saldo negativo da balança comercial, que atingiu US$ 707 bilhões em 2004.
As exportações americanas dividem-se em três direções principais: os parceiros do Nafta (Canadá e México), com 37% do total; a Ásia (especialmente Japão, China e Tigres Asiáticos), com 26%; e a Europa, com 23%. As importações seguem as mesmas direções, mas em proporções diferentes: 37% do total provêm da Ásia; 27% do Canadá e México; 21% da Europa. Os saldos negativos aparecem em todas as direções, mas a sua magnitude é maior no intercâmbio com a Ásia.
A União Européia (UE), tomada em conjunto e excluindo-se o intercâmbio intra-europeu, apresenta exportações um terço maiores que as americanas, mas importações 16% menores. Os intercâmbios com a América do Norte, em primeiro lugar, e com a Ásia, em segundo, concentram a maior parte do comércio inter-regional europeu. Mas o comércio intra-regional é muito maior que a soma das trocas com América do Norte e Ásia.
Isso significa que a expressão “Fortaleza Europa” tem fundamento, ao menos no terreno econômico. A pujança do comércio intra-europeu é um dos pilares da moeda comum da UE, contribuindo para que o euro permaneça mais ou menos imune às flutuações do dólar. A relativa auto- suficiência comercial da UE é a plataforma que permite a seus negociadores de comércio ignorarem as pressões pela redução de subsídios agrícolas. A “Europa dos 25” pode passar muito bem sem a OMC – e praticamente proclama isso a cada reunião de negociações multilaterais.
O Japão perdeu a posição de maior potência comercial asiática para a China. A maior parte de suas exportações (51%) e de suas importações (50%) destinam-se à Ásia ou originam-se da Ásia. A China é, de longe, o maior fornecedor das importações do Japão. Mas, isoladamente, os Estados Unidos são o maior destino de suas exportações.
A China ocupa uma posição estratégica na rede global de fluxos de mercadorias. As suas importações provêm principalmente do Japão e dos NPIs, enquanto as suas exportações têm como maior mercado os Estados Unidos, seguidos de longe pela UE.
O intenso intercâmbio regional asiático precisa ser desvendado. As empresas japoneses e dos NPIs fornecem máquinas, equipamentos e tecnologias para as empresas instaladas na China, que têm participação dominante de capitais estrangeiros (americanos e japoneses, em especial). Essas empresas instaladas na China manufaturam, utilizando mão-de-obra barata, bens industriais destinados aos Estados Unidos. Uma parcela decisiva do saldo comercial negativo americano é formada pelo fluxo de importações de produtos chineses, que são fabricados em grande parte por empresas americanas e japonesas.
A geometria comercial da globalização é tripolar. Um desses pólos é a “Fortaleza Europa”. O segundo são os Estados Unidos, com seus fluxos multi- direcionais e um grande fluxo de importações proveniente dos fabricantes internacionais sediados na China. O terceiro é a Ásia (na verdade, o triângulo com vértices no Japão, nos NPIs e na China), que realiza trocas produtivas intra-regionais e exporta bens industriais em grande quantidade para os Estados Unidos.
O resto do mundo compõe uma vasta periferia do comércio global. Nessa periferia, excluindo-se os fornecimentos petrolíferos do Golfo Pérsico, destacam-se apenas algumas potências comerciais secundárias: Comunidade de Estados Independentes (isto é, sobretudo a Rússia), Brasil, Índia e México.
A Comunidade de Estados Independentes (CEI) exporta principalmente combustíveis fósseis (petróleo e gás natural) e matérias-primas minerais para a Europa. A Rússia ocupa um lugar de exportador especializado no comércio mundial e depende, mais do que nunca, do mercado formado pela UE.
O Brasil apresenta comércio multi- direcional, dividido entre os eixos da América Latina, Estados Unidos e UE. Contudo, as exportações industriais concentram-se na América Latina. Do ponto de vista global, o Brasil é, essencialmente, um exportador de bens agropecuários para a Europa, os Estados Unidos e, em menor escala, a China.
A Índia não se destaca no comércio de mercadorias mas sim no de serviços. Na última década, ela firmou-se como parceiro importante dos Estados Unidos nos intercâmbios de tecnologia da informação (TI) e, em menor escala, de audiovisual e serviços financeiros.
Esses intercâmbios indianos de serviços apresentam expansão na Ásia e na Europa.
O México não é um global trader (comerciante global). O seu comércio exterior exibe magnitude relativamente grande mas concentra-se numa única direção: os Estados Unidos. Em 2004, os Estados Unidos foram o destino de 89% das exportações do México. Isso confirma a percepção de que a economia mexicana configura um espaço anexo da economia americana.
A análise da geometria comercial da globalização tem conseqüências desanimadoras para a política brasileira de comércio exterior. Dois de nossos parceiros no G-4 (China e Índia) podem solucionar seus problemas comerciais fora da OMC, em negociações regionais (na Ásia) ou bilaterais (com os Estados Unidos).
O terceiro parceiro (África do Sul) é irrelevante no tabuleiro do comércio mundial, o que se aplica também à maior parte do G-20 (o grupo de países em desenvolvimento que se articulam nas negociações da OMC).
Boletim Mundo n° 5 Ano 14
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