sábado, 31 de dezembro de 2011

IMPASSE AGRÍCOLA FERE DE MORTE A RODADA DE DOHA

Falta de acordo entre europeus e americanos provoca a suspensão nas negociações globais da OMC. O Brasil, que apostou tudo na “rodada do desenvolvimento”, aparece entre os grandes derrotados.

Fracassou uma das grandes apostas da política brasileira de comércio exterior. Era a Rodada de Doha, ciclo de negociações globais, sob a égide da Organização Mundial de Comércio (OMC), iniciada na capital dos Emirados Árabes em 2001. No encontro de ministros realizado em Genebra, em julho, o ciclo foi suspenso indefinidamente, devido à falta de consensos mínimos sobre reduções de subsídios e tarifas de importações agrícolas. O fracasso em Genebra ameaça implodir a Rodada, pois em 2007 expira o direito concedido pelo Congresso americano ao presidente George Bush para firmar acordos de comércio.
A Rodada de Doha foi definida como a “rodada do desenvolvimento”, pois a liberalização do comércio global deveria partir da redução drástica dos entraves ao comércio agrícola, o que beneficiaria sobretudo os países em desenvolvimento. O impasse, que pode ser fatal, decorre do fato de que União Européia e Estados Unidos, as duas maiores potências comerciais do mundo, não aceitaram fazer cortes drásticos nos subsídios aos seus agricultores e pecuaristas. Em conseqüência, o chamado G-4, grupo composto por China, Índia Brasil e África do Sul, recusou discutir reduções nos impostos sobre a importação dos produtos industrializados.
Mas, se todos os países sentem que poderiam sair perdendo com a liberalização comercial, por que continuam a negociar? A questão é que a redução das barreiras poderia gerar novos negócios de US$ 126 bilhões a US$ 260 bilhões por ano. Uma fortuna.
Então, por que as partes não se sentam e chegam a um acordo? O problema é que os fluxos de comércio gerados pela liberalização representariam um benefício genérico, para todos. E os cortes nos subsídios iriam doer em bolsos específicos, como o dos agricultores produtores de soja e algodão americanos e o dos produtores de laticínios e carne na França, por exemplo.
O setor de laticínios, sozinho, recebe subsídios de US$ 40 bilhões ao ano nos países desenvolvidos. Cada barra de manteiga exportada pela União Européia embute no preço 50% de subsídios: é um anabolizante e tanto. Graças aos impostos de importação, um queijo mineiro paga entre 200% e 300% de seu preço para entrar no Canadá.
E a manteiga argentina morre com uma tarifa de importação de 500% para chegar à mesa dos consumidores japoneses.
O protecionismo agrícola tem, evidentemente, ardorosos defensores nos países desenvolvidos.
Este ano haverá eleições presidenciais no Brasil e legislativas nos Estados Unidos e em meia dúzia de países europeus. Qual é o governo ou partido que vai querer levar a fama de ter prejudicado seus agricultores e pecuaristas, beneficiando a concorrência internacional?
Como explicar ao público interno que as perdas reais e imediatas serão mais do que compensadas por vantagens futuras impalpáveis?
Durante a Rodada de Doha, os Estados Unidos aceitaram reduzir os subsídios agrícolas domésticos em 53%, enquanto a União Européia admitiu cortes de 39%. Mas não se iluda com os números, apresentados simplificadamente para consumo do grande público. A pauta de negociações de Doha listava 750 divergências, exceções e “jeitinhos” para que os cortes fossem muito menos expressivos do que parecem. Quando soube da sugestão americana completa, o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, ficou bravo. “Na prática, a proposta dos Estados Unidos reduziria os subsídios domésticos para US$ 22 bilhões ao ano. Mas, hoje, eles são de US$ 18 bilhões.
Haveria, então,  um aumento nos subsídios”, afirmou. Ele é do ramo e sabe fazer as contas. Ele só não disse que a mesma lógica vale, é claro, para as propostas apresentadas pela União Européia.
O governo Lula tentou assumir uma posição de liderança internacional, articulando o G-4 e ajudando a dar rumo ao G-20 (o grupo de países em desenvolvimento que tenta agir em conjunto na OMC). Além disso, o aumento do comércio internacional de produtos agropecuários conferiria impulso à economia brasileira. Política e economicamente, o Brasil aparece entre os principais derrotados com o início do naufrágio da Rodada de Doha.
O país tem hoje 55 milhões de hectares de área cultivada, quase a metade com soja, mais 220 milhões de hectares de pastagens. O agrobusiness responde por 30% PIB brasileiro, por 39% das exportações e por 37% dos empregos. As exportações têm sido fundamentais para o equilíbrio das contas externas brasileiras. Ano passado, a balança comercial fechou com superávit recorde de US$ 44,8 bilhões. De acordo com a OMC, a eliminação total dos subsídios agrícolas, prevista originalmente para 2013, permitiria ao Brasil um ganho líquido de US$ 3,5 bilhões ao ano.
É fácil, mas enganoso, contabilizar as perdas em dólares.
O maior impacto do fracasso de Doha para o Brasil é estratégico. O impasse das negociações globais desvia o sistema de comércio para a busca de acordos regionais e bilaterais. Nesse tabuleiro, o que vale não são regras uniformes e relativamente equilibradas, como prometia a “rodada do desenvolvimento”, mas o jogo bruto do poderio comercial de cada país.
O Brasil experimentou o gosto do jogo bruto nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas e entre Mercosul e União Européia. Desde que os ministros abandonaram a sala de reuniões de Genebra, em meio a recriminações mútuas, o Itamaraty tenta se acostumar com a idéia do retorno aos tabuleiros regionais. Não é um bom negócio, mas não há nenhum outro à vista...

Boletim Mundo n° 5 Ano 14

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