sábado, 31 de dezembro de 2011

CUBA ENCARA O FUTURO SEM FIDEL

Newton Carlos

O “Comandante Supremo” planejou a sua própria sucessão, apostando no irmão Raúl e na unidade do PC para assegurar um “castrismo sem Fidel”. Mas admitiu suas incertezas.
As incertezas do futuro começaram a inquietar Fidel Castro, pelo menos em manifestações públicas, já nos últimos meses. Internamente, nos ambientes mais fechados do regime comunista cubano, tudo indica que essa questão já vinha se impondo diante de evidências da fragilidade física de Fidel. “As revoluções estão condenadas a fracassar?”, perguntou numa reunião em novembro de 2005 com estudantes da universidade de Havana. Era a expressão de preocupações com sua sucessão ou com a própria sobrevivência do regime comunista cubano e o lugar na história de quem o criou e o manteve – e supostamente ainda mantêm – sob rédeas curtas por mais de quatro décadas.
Fidel encarna a revolução e os rumos que ela tomar, mesmo sem ele, darão os termos do desfecho da epopéia do “Líder Máximo”. Não faz muito tempo um general cubano se reuniu com compatriotas em Madri. Fez uma observação que logo percorreu círculos próximos do castrismo e hostis a ele. Fidel concentrou de tal modo o exercício do poder em Cuba que ficaram esclerosados os trâmites de uma sucessão que possa segurar a “estabilidade” do regime. Teria ficado impossível a formação de sucessores com estatura capaz de manter a linha. O próprio Fidel mostrou-se preocupado com isso numa série de entrevistas a Ignácio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, jornal que funcionou como espécie de confessionário.
Fidel não escamoteou a possibilidade de que as revoluções acabem sendo “autodestrutivas”. Claro que Cuba entra nesse seu imaginário. “Quando os antigos começarem a desaparecer e for preciso recorrer a novas gerações de dirigentes, o que acontecerá?”, perguntou. Se sua idéia for correta, faltarão quadros à altura de quem exerceu o poder como um “deus”. As inquietações deságuam numa pergunta angustiante contida nas declarações recolhidas por Ramonet: é possível fazer com que as revoluções sejam irreversíveis? O que leva a uma outra indagação, que seguramente atormenta Fidel. Será possível passar à história como construtor de um regime inabalável, com a sobrevivência de conteúdo revolucionário “quimicamente” puro? Os adversários se deliciam com exemplos que só levam a descaminhos, alguns trágicos.
A antiga União Soviética desabou com as lutas entre as reformas de Gorbachev e remanescentes da linha dura do partido. Em Cuba, em julho, foi reabilitado um órgão executivo, o secretariado do comitê central, desativado desde 1991. Tem 12 membros, inclusive os irmãos Castro, alguns velhos ideólogos, e oito com menos de 50 anos, as segunda e terceira gerações da revolução. Meios diplomáticos interpretaram como ensaio de direção mais coletiva e mais jovem.. Mas o próprio Fidel deixou claro que não iria bater em retirada dizendo compreender que “meu destino não foi vir ao mundo para descansar no fim da vida”. A “coletivização” do poder, que aparentemente começou a ensaiar-se com a doença de Fidel, é vista como “mistura sutil” entre a velha guarda e uma nova geração de dirigentes do partido e do governo.
No grupo estão dois históricos ortodoxos, um deles fundador do partido Comunista, José Ramon Balaguer, de 75 anos. Convivem, ou têm de conviver com Carlos Lages, de 54 anos, artífice das reformas dos anos 90, freadas por Fidel com medo de perda do controle da economia.
Com a ausência do “Comandante Supremo” como árbitro indiscutível, a convivência será possível? Raúl Castro terá o mesmo poder de arbitragem do irmão?
Na China, após a morte de Mao Tsé-tung e duras lutas sucessórias, subiu ao pedestal o “papa” da complicada mistura entre abertura econômica e continuidade do fechamento político, sob hegemonia do partido único.
Esse “papa”, Deng Xiao-ping, antigo execrado pela “revolução cultural” de Mao Tsé-tung, acabou na galeria da fama por feitos que não têm nada a ver com o maoísmo.
Sob a sua batuta, até Confúcio foi reabilitado, com seus ensinamentos de respeito às tradições e submissão...
Em Cuba, há quem flerte com o “modelo chinês” de “socialismo de mercado”, cuja adoção significaria passar por cima do castrismo. Raúl teria, entre suas tarefas de preservação do regime, a de impedir que isso aconteça e manche a biografia do irmão. A transição, por enquanto com formato provisório, obedeceu a um ritual destinado a fortalecer o sucessor aparente. A referência escolhida foi o aniversário de 75 anos de Raúl, em junho. A imprensa estatal publicou um caudaloso perfil biográfico do irmão de Fidel, acompanhado de fotos de visitas a bases militares.
O próprio Raúl, num gesto pouco freqüente, se referiu à sucessão. Declarou que “só o Partido Comunista, como instituição que mantém unida a vanguarda revolucionária e sempre garantirá a unidade dos cubanos, é o herdeiro da confiança depositada pelo povo cubano em seu líder”. Qualquer outra coisa, sentenciou, “é pura especulação”.
Sobre ele, escreveu o Granma, jornal do PC cubano, no aniversário: “A propaganda da mídia capitalista vem tentando por muitos anos retratar Raúl como extremista”. O inimigo “não gosta dele porque sabe muito bem o que Raúl representa para a revolução, o nosso povo e o futuro da nossa nação”.
O irmão Raúl, promovido a árbitro, junto com um partido comunista “intacto”, preservariam o lugar de Fidel na história. Nada igual ou mesmo parecido com o pós- Mao ou que lembre o conflito irreconciliável entre a linha dura e os reformistas russos. É a expectativa de Fidel, em meio a incertezas inevitáveis. O momento é favorável, segundo analistas. Há projetos de reconstrução industrial, que investidores estrangeiros consideraram muito onerosos, mas nos quais se engajou uma Venezuela farta em petrodólares. Além disso, divisas continuam entrando graças ao turismo e à “exportação” de mais de 30 mil médicos e outros especialistas.
A previsão de crescimento do PIB de Cuba para este ano é de mais ou menos 12%. O regime castrista estaria recuperando, no plano econômico, a margem de manobra perdida com a implosão do bloco soviético. O petróleo russo subsidiado foi substituído pelo petróleo venezuelano subsidiado. Até mesmo a onda de repressão contra dissidentes, que incluiu três fuzilamentos sumários em 2003, anda esquecida. Os entusiastas do regime acreditam que, afinal, o castrismo pode sobreviver ao desaparecimento de seu criador.

Boletim Mundo n° 5 Ano 14

Nenhum comentário:

Postar um comentário