O Total de dinheiro desviado em esquemas de corrupção no Brasil, só nos últimos quatro anos, gira em torno de R$ 10.800.000.000,00 (dez bilhões e oitocentos milhões de reais), segundo um levantamento divulgado pelo jornal O Globo, em agosto. É como se eu, você e cada um dos 185 milhões de brasileiros tirasse do bolso cerca de R$ 60,00 e desse de “caixinha” para políticos, empresários, comerciantes, funcionários públicos, policiais e autoridades corruptas. O assunto ganha nova relevância, com a chegada das eleições e a lista de parlamentares sanguessugas, dezenas dos quais postulantes à re-eleição. Até meados de agosto, 84 deputados e senadores estavam sob investigação do Ministério Público Federal, com 70 pedidos de abertura de processo de cassação na Câmara e no Senado.
Além disso, a PF indiciou o ex-ministro da Saúde Humberto Costa e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, por envolvimento com a máfia dos vampiros.Anões do orçamento, mensaleiros, vampiros... Uma série de nomes espantosos, alguns sinistros, ocupa o imaginário brasileiro, para descrever aquilo que se apresenta como um destino inevitável e inexorável, quase que um traço do caráter nacional. A prática da corrupção é, de fato, percebida como uma “praga” pela imensa maioria da nação. Uma pesquisa conduzida pela organização não governamental Transparência Brasil, em outubro de 2005, mostra que 90,6% dos entrevistados consideram como um “problema grave” a prática da corrupção envolvendo partidos políticos, grandes empresas e figuras públicas emblemáticas da elite, ao passo que 88% enquadram na mesma categoria as “pequenas corrupções” envolvendo subornos de policiais para evitar multas de trânsito e “caixinhas” a funcionários públicos em troca de favores.
Dado esse quadro, muitos são levados a concluir que a prática da corrupção “faz parte” da cultura nacional, é um componente do “jeitinho” brasileiro, uma expressão da famosa “lei de Gerson”: o importante é levar vantagem em tudo (justiça seja feita: o ex-capitão da seleção declarou, várias vezes, abominar tal perspectiva e lamenta ter o seu nome a ela associado). Mas a prática da desonestidade, na vida pública e privada, longe de ser exclusividade tupiniquim, é um fenômeno mundial: o Brasil apenas ocupa a nada honrosa 62ª posição entre uma lista de 159 países, segundo a Transparência Brasil.
Isso significa, no mínimo, que para compreender o evento da corrupção devemos deixar de lado as considerações genéticas, aquelas que pretendem enxergá-lo como decorrência de um traço cultural ou “defeito de formação”. Se quisermos enunciar uma lei geral, seria algo do tipo: a prática da corrupção é inversamente proporcional à vocação republicana e democrática de determinada sociedade. Isto é, a corrupção pública e privada floresce quando as mamatas encontram pouca ou nenhuma resistência por parte da sociedade organizada.
Existe uma percepção equivocada de que a malversação de fundos é um “privilégio” dos funcionários públicos e das empresas estatais. Nessa perspectiva, para erradicar a praga da corrupção bastaria privatizar totalmente a economia. Poucas afirmações poderiam estar mais distantes da verdade. Em todo o planeta, as empresas privadas, em particular as transnacionais são as maiores fontes corruptoras. E a capacidade corruptora do capital privado foi elevada ao grau máximo pela lógica neoliberal, justamente por ter promovido a desregulamentação da economia e a diminuição do papel do Estado.
Não por acaso, alguns dos maiores escândalos de corrupção do planeta aconteceram justamente nos Estados Unidos, país sede do capitalismo e matriz ideológica de sua versão neoliberal. A “dança dos bilhões” começou a tomar as páginas dos jornais nos anos 80, quando o então presidente Ronald Reagan iniciou a demolição do New Deal.
Um dos grandes esquemas, tornado público em 1988, envolveu a secretaria da Defesa. Bilhões de dólares eram disputados ilegalmente por centenas de executivos, funcionários de alto escalão do governo, empresas fornecedoras de armas e até agentes e ex-agentes da CIA. No caso, 25 fabricantes de armamentos estavam dando dinheiro a funcionários do Pentágono em troca de informações privilegiadas, com o objetivo de obter vantagens nos processos de licitação. Tantos outros escândalos estouraram no mercado financeiro estadunidense, que o assunto chegou a virar tema de Hollywood.
No final de 2001, o centro das atenções foi ocupado pela Enron, então a maior empresa de energia do mundo e a sétima mais poderosa dos Estados Unidos. Faliu de maneira fraudulenta, quando se tornou público o fato de que ela havia “inflado” os próprios rendimentos e omitido dívidas em sua contabilidade. Milhões de acionistas perderam um total de 25 bilhões de dólares. O então executivo chefe da Enron, Kenneth Lay, principal articulador da fraude, era íntimo da família Bush, e costumava se reunir com o seu vice, Dick Cheney, para acertar negociatas com o setor de energia.
A Enron foi apenas a ponta do iceberg. A empresa de telecomunicações Global Crossing pediu concordata em janeiro de 2002, com dívidas de 26 bilhões de dólares; a WorldCom, segunda maior empresa de telecomunicações estadunidense e proprietária da Embratel, registrara como “investimentos” despesas de 3,8 bilhões; a Xerox escondeu perdas de 6,4 bilhões; a Adelphia, sexta maior empresa de TV a cabo, “maquiou” prejuízos de 3,1 bilhões; a Merck, gigante farmacêutica, registrou receitas falsas de 12,4 bilhões. As contas das 250 das maiores empresas do país apresentaram sérios sinais de irregularidade.
Novas informações, publicadas ao longo de 2002, evidenciaram a total promiscuidade entre a Casa Branca e as empresas de petróleo e armas. “Ao menos 32 importantes responsáveis do governo Bush são antigos membros de conselhos de administração, consultores ou acionistas importantes de empresas que proporcionam armamento, incluindo 17 nomeados pelo círculo presidencial ligados a fornecedores decisivos do sistema de defesa por mísseis: Lockheed Martin, Raytheon, Boeing e Northrop Grumman”, afirma a especialista Michelle Ciarrocca, do World Policy Institute.
O documentário de Michael Moore, Fahrenheit 9/11, fornece abundância de evidências sobre a participação de Bush e equipe em associações bilionárias e lesivas ao interesse público, incluindo contratos com empresas do complexo industrial militar que, subitamente, multiplicaram o seu capital, como o grupo Carlyle, que inclui ex-membros do gabinete de Bush (pai). A petroleira Halliburton, empresa chefiada por Dick Cheney, nos anos 90, foi uma das mais beneficiadas por contratos sem licitação promovidos pela Casa Branca para “reconstruir” as refinarias do Iraque.
A história recente do mais importante país capitalista do planeta mostra, portanto, não haver o menor fundamento da tese de que privatizar as estatais seja um bom remédio contra a corrupção.
Muito ao contrário. Mas, então, como resolver o problema?
O especialista Stephen Kanitz, árbitro da Bolsa de Valores de São Paulo na Câmara de Arbitragem do Novo Mercado, recomenda uma solução técnica. O problema, diz ele, é que, no Brasil “a corrupção, pública e privada, é detectada somente quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria. As nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior número de auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total. Se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda precisaremos formar e treinar 160.000 auditores”.
Pode ajudar, mas não resolve. Afinal, a Arthur Andersen, uma das maiores empresas de auditoria do planeta, era responsável pela fiscalização da Enron, e foi arrastada na lama junto com a empresa cujas contas, supostamente, deveria controlar. Não há solução técnica para um problema que, no fundo, é político. Não é apenas o número de auditores que mantém baixo os índices de corrupção na Holanda, Dinamarca e outros países europeus, mas sim a capacidade de vigilância democraticamente exercida pela sociedade em seu conjunto. O problema, portanto, está na construção efetiva da democracia e da república.
História e Cultura n° 5 Ano 2
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