David Tunley conseguiu registrar a imagem de um sargento americano no momento em que ele viu que era de um companheiro seu o corpo colocado num saco preto. Fora vítima de “fogo amigo” em 1991, na primeira guerra do golfo, na qual os meios de comunicação trabalharam sob controle severo do Pentágono. “Percebi de imediato que seria muito difícil documentar a realidade da guerra”, disse Tunley mais tarde. Com muito custo ele conseguiu passar aos seus editores fotos de um tanque Bradley cortado ao meio por um foguete. Fotografou dois feridos antes de serem içados para um helicóptero.
Tunley conta que eles estavam desorientados, não entendiam muito bem o que se passava. “Logo apareceu um saco preto para o corpo do motorista e um médico passou a outro médico a identificação do morto, não em combate, mas alvejado pelos próprios companheiros, conta o fotógrafo, ganhador do prêmio dos 50 anos da fundação World Press Photo. A foto dos dois feridos, perdidos numa espiral de violência, foi amplamente publicada em todo o mundo e se tornou, no universo profissional, a imagem ícone da guerra do 1991. Registrou o que Cartier Bresson, o papa da fotografia jornalística, chamava de “momento decisivo”.Doze anos mais tarde e nova guerra do Golfo. O Los Angeles Times publicou foto de um jovem (vinte anos) combatente no Iraque com a pretensão de apresentá-lo como retrato de um novo herói americano.
Ele está meio sentado, com o fuzíl entre as pernas, capacete um pouco inclinado, cigarro caído com displicência na boca entreaberta e a cara chamuscada depois de doze horas de combates. Nenhuma indisposição com a guerra, apesar do sacrifício exigido. A imagem procura mostrar a fibra de guerreiro dos que invadiram o Iraque convencidos de que cumpriam a missão de “salvá-lo” e de preservar a liberdade nos Estados Unidos.
Olhem bem, pediu um apresentador de televisão. Respirem fundo e sintam orgulho de quem expressa a determinação e a coragem dos “nossos rapazes”. Toda guerra tem seu ícone em matéria de imagem, em muitos casos envolvendo disputas e até montagens.
Foram três os destaques mais conhecidos da segunda grande guerra, os fuzileiros americanos cravando a bandeira dos Estados Unidos numa colina em Iwo Jima, os russos simbolizando a tomada de Berlim com a bandeira vermelha hasteada nos altos da chancelaria alemã e os instantâneos dramáticos do desembarque da Normandia no Dia D feitos por Robert Capa. Sem falar nos mortos-vivos sobreviventes dos campos de concentração nazistas.
Iwo Jima contou com promoções de Hollywood, mas há suspeitas de que se tratou de encenação realizada depois de terminada nada batalha. O mesmo é dito a respeito dos russos triunfantes no telhado do poder derrocado em Berlim. A onda de “voluntários” chineses talvez tenha sido o registro mais forte da guerra na Coréia.
Quanto ao Vietnã, há uma imagem icônica indisputável, a da menina vietnamita desnuda, chorando, gritando e correndo, em absoluto desespero. Fugia do fogo das bombas de napalm (incendiárias) jogadas pelos aviões americanos. “Uso desproporcionado da força”, diria mais tarde Robert McNamara, na época secretário de Defesa dos Estados Unidos.
As imagens icônicas de guerras têm registros que recuam às guerras napoleônicas.
Os franceses atolados na neve russa, por exemplo, tragédia reconstituída na filmagem de “Guerra e Paz”, de Leon Tostoi.
“Em Nada de Novo no Front” estão imagens da crueldade da guerra de trincheiras na Europa, entre 1914 e 1918. As guerras e genocídios na ex-Iugolávia poderiam encontrar suas imagens icônicas no sítio de Saravejo.... A mais cotada é a de um franco-atirador ajustando a posição de disparo num alvo humano que brinca inocentemente com uma bola de futebol. Caras de espanto e pavor compõem a emboscada que matou 16 soldados americanos na Somália, reproduzida no filme “Falcão Negro”.
A foto do Los Angeles Times conseguirá a menção de imagem ícone da invasão do Iraque ? Ela entre no rol das patrióticas. As de crueldade repercutem mais. É disputa acirrada..
Há os corpos mutilados de cinco americanos arrastados pela rua e pendurados em Faluja. Ou uma cena que chocou o mundo, a de um menino iraquiano de dois anos e meio todo ferido, sendo atendido num hospital e depois levado à Europa como gesto de caridade da civilização ocidental. Bush gostaria que a escolhida fosse a da derrubada de estátua de Saddam Hussein. Mas. se impuseram, ao que parece, as de tortura documentada de iraquianos em prisões americanas no Iraque. Entre elas a da jovem soldado arrastando um preso.
A foto do Los Angeles Times inclusive sofre “correções”. Quinze soldados americanos se recusaram a sair num comboio no Iraque alegando segurança insuficiente.Não bate com sugestões de disposição à guerra acima de qualquer sacrifício..Tampouco com imagens do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, sendo colocado contra a parede numa base militar dos Estados Unidos no Kuait. Ou com os casos de recurso judicial contra a remobilização de reservistas e o programa stop loss, a decisão do Pentágono de não permitir que militares experientes deixem o serviço ativo, embora seus “contratos” tenham expirado. Vários apresentaram queixas a tribunais. Há inclusive casos de recusa pura e simples de reapresentação e até de deserções declaradas.
No Canadá foi criado o War Ressister Support Campaing. Ele dá assistência a desertores que se refugiam clandestinamente em território canadense. Eles já são “mais ou menos uma dezena”, dizem fontes do movimento. O Canadá foi refúgio de desertores da guerra do Vietnã.
História e Cultura n°6 Ano 2
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