Defendo o surgimento de uma nova ciência econômica, com novo nome e quem sabe até uma nova marca: iconomia (eu roubaria aquele símbolo de arroba feito com i, usado por um grande banco nacional). Acredito numa economia dos ícones.
A divulgação recente do ranking mundial das marcas é a oportunidade óbvia para perceber como estamos rodeados, em nossos mapas mentais, culturais e cognitivos, pelo império...das marcas (nome premonitório, aliás, de livro publicado faz alguns anos pelo professor e consultor José Roberto Martins, atualmente pós-graduando e associado ao grupo de pesquisa Iconomia, na ECA-USP).A marca (em inglês, brand, pronuncia-se “brrénd”) é o exemplo mais evidente (e, literalmente, visual) de que marcas são sinônimo de valor. Em muitos casos, são a própria origem do valor de um produto, serviço ou lugar.
Aliás, Interbrand é justamente o nome da empresa que divulga uma classificação global do valor das marcas, um ranking anual das “Melhores Marcas Globais”. A divulgação ocorre com o apoio da revista Business Week. No pódio, Coca-Cola, seguida por Google e Apple. Nenhuma surpresa, né?
Segundo a Interbrand, a Coca-Cola está no topo há sete anos, “se mantém principalmente porque é grande e está em todos os lugares, mas não aumentou sua reputação, por que não avançou em direção ao (segmento de) bebidas saudáveis”.
Humm, um juízo moral por parte da avaliadora de marcas. Curioso. Sinal dos tempos, efeitos do politicamente correto, vontade de agradar o público ou a opinião pública freqüentemente inconsciente das manipulações mercadológicas e das jogadas de marketing, finanças e negociação escusa com governos idem de muitas dessas marcas supostamente melhor avaliadas em termos de “reputação”. Como se vê, marcas é um assunto econômico, um termômetro e indicador de consumo, mas também um assunto tecnológico e em boa medida ideológico.
Por isso me soa tão oportuno a referência aos ícones que, como se sabe, são visualizações da própria divindade idolatrada, ave!
No ranking, a maioria são empresas americanas como Microsoft, IBM, General Electric (GE), Intel, McDonald’s, Disney mas também ganharam espaço a Nokia, Toyota e Mercedes Benz, nos dez primeiros lugares.
Para calcular o poder de uma marca, os especialistas da Interbrand consideraram diferentes elementos, como os lucros no exterior, o reconhecimento fora do mercado nacional e a disposição de dados públicos de marketing e financeiros.
Esse critério, segundo o artigo da revista Businness Week, “eliminou grandes marcas como Visa e Wal-Mart”.
Ficaram fora da classificação conglomerados gigantes porque a “Interbrand só classifica a força de marcas individuais e não os conglomerados”. Uma opção que torna a classificação um exercício de marketing, mais do que de análise econômica, financeira ou mesmo tecnológica, em contradição com a metodologia alegada pela empresa de consultoria.
As companhias aéreas foram excluídas “porque é muito difícil separar o impacto das vendas de outros fatores como as rotas que realizam e seus horários”. Ou seja, o MacDonald´s deve ter sido analisado independentemente da qualidade da comida que serve. Mas não é o que diz a Interbrand, que condena a Coca-Cola por não avançar rumo a “comidas saudáveis”. Enfim, é uma peneira essa classificação da Interbrand.
O fato é que do tênis ao sanduíche, passando por brinquedos e computadores, tudo vale menos pelo que é ou faz e mais pela marca que ostenta na carcaça. Marca é um troço abstrato, um design, uma reputação...um ativo imaterial, uma coisa intangível. E é a essência do capitalismo da informação. No meio da explosão de dados e informações à nossa volta, as marcas funcionam como bússolas muitas vezes behavioristas (tipo “cerveja boa = mulher gostosa”), às vezes socialmente responsáveis (sujar o planeta = financiar grupos de limpeza).
O negócio de produtos tornou-se um negócio de imagens. A economia, portanto, é uma economia de Nike, Levi’s, Coca-Cola, McDonald’s, Monsanto, Disney, Microsoft e Shell constroem mitologias corporativas, o consumo adquire um significado existencial e imersivo para os consumidores.
Adaptando e enfiando mais um trocadilho na história da filosofia, podemos dizer que no capitalismo contemporâneo a máxima é “consumo, no logo existo”. O “no logo” é também um jogo de palavras, pois é o título em inglês de um livro que virou “cult” na análise do capitalismo das marcas 1.
Marx, ao analisar a mercadoria e concluir no capítulo 1 de O Capital com a seção O Fetiche da Mercadoria já apontava para a questão, essencial ao funcionamento dos mercados no capitalismo: no mercado não se vendem apenas coisas, mas sonhos, idéias, conceitos e estilos de vida.
Ícone e fetiche são praticamente indissociáveis.
“Qual é a sua praia?” inclusive tornou-se uma chamada publicitária, sinônimo subliminar de “qual é a sua marca?”. Novos mercados surgem, sobre plataformas digitais, como o Second Life, onde cada pessoa pode se reconfigurar como um ícone vivo, ambulante, fictício mas híbrido, marionete que manipula e é ao mesmo tempo manipulada pelo consumidor, pela rede, pela empresa que gerencia o ambiente virtual. E as pessoas se inscrevem, aos milhões, voluntariamente, formando gigantescas bases de dados pessoais que valem bilhões de dólares nos mercados de capitais.
É esse o cenário da iconomia contemporânea.
História e Cultura n° 5 Ano 3
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