Jayme Brener
Tarde fria de janeiro em Nablus, uma das mais ajeitadas cidades da Cisjordânia, ocupada por Israel em1967.
Ato em homenagem ao terrorista palestino Yahya Ayash, o “engenheiro”, morto semanas antes por uma bomba que o serviço secreto israelense plantou em seu telefone celular. Milhares gritam “morte aos judeus”.
Os oradores prometem que “novos engenheiros surgirão, para explodir bombas em ônibus israelenses”. No fim do ato, os repórteres conversam com a multidão.
- Em quem você vai votar na eleição de 20 de janeiro? - “Em Iasser Arafat”, diz o rapaz bigodudo, que leva na cabeça uma faixa verde, identificação dos fundamentalistas muçulmanos.
Para quem está chegando ao Oriente Médio, a cena é surrealista. Como é possível o mesmo sujeito que berra “morte aos judeus”, jurar lealdade a Arafat, o líder da Organização pela Libertação da Palestina, que assinou a paz com Israel? Arafat, aquele que depois do assassinato do premiê israelense Itzhak Rabin, no ano passado, disse: “Perdi um sócio no processo de paz”.
Cenas como essa acontecem todos os dias na região. Mostram como são estreitos os caminhos que separam a paz da guerra, o terror da negociação, o inimigo do amigo.
A grande maioria dos cerca de 2 milhões de palestinos da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental apóia o processo de paz. Nas eleições de janeiro, Arafat ganhou a presidência, com 88,1% dos votos em um pleito razoavelmente democrático. Seu partido, a Al Fatah, controla o Parlamento.
Mas embora esta seja a primeira perspectiva real de paz para o Oriente Médio, após meio século de guerras, essa não é “a” paz que os palestinos desejariam.
A assinatura do acordo entre Israel e a OLP, em 1993, aconteceu em um momento de enfraquecimento da liderança palestina, que apoiara o iraquiano Sadam Hussein na Guerra do Golfo (1990-91). Sadam foi surrado por uma coalizão chefiada pelos Estados Unidos. Sobraram escoriações para a OLP, resignada a um acordo de paz bastante favorável a Israel.
Até agora, a autonomia palestina limitava-se a Gaza e a sete cidades da Cisjordânia.
Tropas israelenses ainda patrulham grande parte da Cisjordânia e protegem os cerca de 120 mil colonos judeus ali entrincheirados.
Assim, ainda que a maioria aplauda a paz, muitos vibram com o terrorismo contra Israel, cometidos pelos fundamentalistas Hamas e Jihad.
Quem amarra esse feixe de contradições é um baixinho, careca escondida por um hata, o lenço palestino quadriculado, e barba eternamente por fazer. Arafat, engenheiro, 66 anos, é a história do povo palestino, de seus acertos e erros, de sua esperança e desespero. Ao abrir mão de uma vida confortável como empreiteiro no Kuwait e liderar um punhado de nacionalistas na tomada do comando da OLP, nos anos 60, ele deu um passo decisivo para romper com a histórica dependência dos palestinos em relação aos regimes árabes.
Arafat comandou guerrilha e terrorismo.
Tornou-se sinônimo de ataques a alvos civis em Israel, mas fez a sua causa entrar nas TVs e manchetes dos jornais lidos à hora do café, em todo o mundo. Foi derrotado ao tentar criar Estados palestinos paralelos na Jordânia e no Líbano, nos anos 70/80. Longe de seus compatriotas que sofriam as barbaridades da ocupação israelense na Cisjordânia e Gaza, viu nascer, em 1987 -fora de seu controle-, a Intifada, o levante popular palestino. Mas, conseguiu evitar que a liderança da Intifada ficasse com os fundamentalistas.
Quando o mundo olhava com simpatia os garotos palestinos, mortos ao atirarem pedras contra os gorilas israelenses, Arafat pisou na bola e apoiou Sadam contra o Kuwait. Novamente, Arafat parecia estar com seu povo, que enxergava em Sadam a vingança contra Israel.
Há quase três anos, Arafat conseguiu mais uma vez interpretar as emoções dos palestinos, quando aceitou negociar a paz. A paz possível. A decisão, motivada pelas seguidas derrotas da OLP, ironicamente acabou transformando-se em sua maior vitória. O Estado palestino independente, que Israel sequer menciona, é só uma questão de tempo. Rabin, general linha-dura, foi morto por um terrorista judeu, por ousar admitir a independência palestina.
Ao conquistar o respaldo de nove em cada dez eleitores, em janeiro, Arafat conseguiu uma enorme injeção de combustível, para continuar funcionando com pólo de unificação do que não parece ser unificável: guerra e paz. Ele é hoje a imagem da complexa construção da nacionalidade palestina. Resta saber se o edifício que Abu Amar - “pai construtor”, o nome de guerra de Arafat- está erguendo sobreviverá ao outro “engenheiro”
Dormindo com o inimigo
Difícil dizer, no Oriente Médio, quem são os inimigos e aliados de cada personagem. Arafat está engajado na paz com Israel, mas não pode abrir mão do terror da Hamas, que serve como força de pressão, para que Israel seja mais generoso nas concessões. Só que o terror tem que estar sob controle, de forma a evitar que o premiê trabalhista israelense Shimon Peres perca as eleições de maio para o partido de direita Likud, o que faria a paz entrar em passo de cágado com reumatismo.
Peres tem em Arafat um aliado para deter Hamas e Jihad. Por isso, tem que fazer concessões à OLP. Mas precisa reagir com violência aos atentados terroristas, sob o risco de perder votos dos que ainda torcem o nariz para os palestinos.
Quanto à Hamas, se não explodir seus petardos, perderá o apoio dos militantes palestinos mais críticos à tática gradual de Arafat, especialmente os jovens.
Só que, se exagerar nas bombas, estará desgastando de vez os trabalhistas e batendo de frente com Arafat, o chefão.
O Oriente Médio assemelha-se a um barco, em que todos querem movimentar-se sem virá -lo de vez. No frágil timão estão o muçulmano Arafat e seu amigo / inimigo, o judeu Peres.
Boletim Mundo Ano 4 n° 1
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