“O processo de paz para a Irlanda do Norte está encerrado. O que temos que fazer é reconstruí-lo.” Com essas palavras, Gerry Adams, líder do Sinn Fein (braço político do IRA) analisava as conseqüências do ato terrorista praticado pelo IRA (Exército Republicano Irlandês). No dia 9 de fevereiro, uma bomba “plantada” por militantes do IRA explodiu num ônibus em Londres deixando como saldo duas vítimas fatais e mais de 100 feridos. Até o final do mês, outras duas bombas assustaram a população londrina. Essa organização, criada durante a Guerra Anglo-Irlandesa (1918-21) tenta, através da luta armada, conseguir a independência da Irlanda do Norte e a reunificação com a República da Irlanda.
A ilha da Irlanda localiza-se na porção norte ocidental da Europa, separada da ilha da Grã-Bretanha pelo canal de São Jorge.
Politicamente, está dividida da seguinte forma: grande parte constitui a República da Irlanda (Irlanda do Sul, ou Eire), Estado-membro da União Européia, com capital em Dublin; seis condados da porção setentrional formam a Irlanda do Norte (Ulster), parte integrante da Grã-Bretanha, com capital em Belfast .
A presença britânica na ilha da Irlanda tem oito séculos, embora seu domínio formal só tenha acontecido a partir de 1801, quando ela foi incorporada ao Reino Unido da Grã-Bretanha. O domínio veio acompanhado de maciças migrações de britânicos, em sua maioria protestantes, que se instalaram no Ulster, empurrando os irlandeses, majoritariamente católicos, ao sul ou induzindo-os a migrar, especialmente para os Estados Unidos. Foi por conta desses fatos que, no século XIX, os protestantes se tornaram a maioria da população do Ulster.
Em 1918, eclodiu a Guerra Anglo- Irlandesa, que teve como conseqüência a criação do Estado Livre da Irlanda do Sul, em 1922. Vinte e sete anos depois, ele se transformaria numa república independente.
Contudo, os seis condados setentrionais, onde cerca de 56% da população eram constituídos por protestantes, continuaram ligados à Coroa Britânica. A minoria católica do Ulster, um pouco mais de 40%, nunca aceitou esse estatuto político. O governo do Eire disse sim à partilha da Irlanda, considerando-a o preço a ser pago pela independência.
Com o Eire independente, o IRA perdeu muito de sua força e só ao final dos anos 60 voltou a ser mais atuante, notabilizando-se por organizar manifestações na defesa dos direitos civis da minoria católica da Irlanda do Norte. Os católicos exigiam, principalmente, o fim da legislação eleitoral discriminatória. Essas manifestações ensejaram choques cada vez mais freqüentes entre as duas comunidades religiosas, especialmente nas cidades de Belfast e Londonderry. Perdendo o controle da situação, o governo do Ulster solicitou a presença de tropas britânicas, que passaram a ser consideradas pelo IRA como tropas de ocupação.
A situação se radicalizou a partir de 30 de janeiro de 1972, no chamado Domingo Sangrento (Bloody Sunday), quando soldados britânicos abriram fogo contra manifestantes católicos desarmados causando inúmeras vítimas. Durante as duas décadas seguintes, o IRA tentou não só organizar a resistência católica contra a ocupação britânica mas também promover atentados à bomba, tanto na Irlanda do Norte, quanto na Inglaterra.
Esses atentados o transformaram numa das mais temidas organizações terroristas da Europa. Ao mesmo tempo, as forças de repressão britânicas tornaram-se cada vez mais agressivas o mesmo acontecendo com organizações terroristas protestantes do Ulster.
A espiral de violência só pareceu se deter em agosto de 1994, quando o IRA anunciou unilateralmente um cessar-fogo, abrindo perspectivas para uma solução negociada para o conflito. Contudo, depois de dezessete meses, as negociações preliminares chegaram a um impasse porque os britânicos condicionavam o avanço do processo de paz à exigência de que o IRA se desfizesse de seu arsenal, estimado em pelo menos 100 toneladas de armas. Uma comissão internacional criada para acompanhar o problema divulgou recentemente um relatório em que constata que essa exigência era inaceitável, propondo a abertura de negociações substanciais, paralelas à deposição das armas.
O problema tem um outro nó difícil de ser desatado. Londres considera que uma reunificação da Irlanda estaria condicionada a um plebiscito realizado exclusivamente no Ulster, onde a maioria protestante quase certamente produziria resultado favorável ao estatuto atual. Por isso, tanto o IRA como o próprio governo do Eire pretendem que o plebiscito envolva todos os habitantes da ilha. Nesse caso, a ampla maioria católica da Irlanda do Sul jogaria um peso decisivo para o resultado.
Há um quarto de século a violência política acumula cadáveres na Irlanda do Norte e em Londres. Já são mais de 3 mil vítimas. A retomada da lógica do terror ameaça engrossar ainda mais essa estatística trágica.
Boletim Mundo Ano 4 n° 1
Nenhum comentário:
Postar um comentário