Julieta - Apenas o teu nome é o meu inimigo. Tu és o teu ser, não um Montecchi. O que é Montecchi? não é mão, nem pé, nem braço, nem rosto, nem qualquer outra parte do corpo de um homem. Então, seja outro nome! O que há em um nome? aquilo a que chamamos rosa, teria o mesmo perfume ainda que seu nome fosse outro (...)
Romeu - Acato tuas palavras: chama-me apenas amor, e eu serei rebatizado. Nunca mais serei Romeu.
O que há em um nome? Que poder é esse que o nome tem, de gerar discórdias e paixões, de construir e destruir impérios? Essas perguntas continuam a atormentar a humanidade, quatro séculos depois que William Shakespeare escreveu Romeu e Julieta (encenada pela primeira vez em 22 de julho de 1596), uma das mais belas peças de amor de toda a história.
O poder do nome: não foi outra a questão colocada pelos comunistas da Rússia, quando eles fizeram aprovar no Parlamento de seu país, em março, uma moção pela ‘‘volta’’ da União Soviética. É claro que a URSS não ‘‘voltará’’ por decreto. A URSS era uma ditadura de partido único (o Comunista) que agregava 14 países além da Rússia; era economicamente regida por leis socialistas (economia e finanças estatizadas, planificação da produção estabelecida por metas quinqüenais, subsídio total aos serviços básicos de educação, saúde, transporte e moradia), e era socialmente dividida entre burocratas privilegiados (os membros do partido) e o resto da população. A URSS acabou em dezembro de 1991 (quando foi criada a Comunidade de Estados Independentes, CEI), não por decreto, mas porque seu modelo foi esgotado. A URSS sucumbiu às suas próprias contradições.
Propor a ‘‘volta da URSS’’ significa, portanto, pretender que a história retroceda. Ainda assim -e isso é que é estranho-, os nomes ‘‘comunista’’ e ‘‘União Soviética’’ continuam a causar impacto no mundo.
Comunista, atualmente, significa muitas coisas diferentes. Na Rússia, designa um grupo político cada vez mais fortalecido pela crise, já que os modelos privatizantes e neoliberais adotados pelo presidente Boris Ieltsin mostram-se incapazes de oferecer soluções reais ao problema crucial do desemprego, da criminalidade e queda vertiginosa do nível de vida. Na China, comunista é o partido que ainda está no poder, e que agrega uma máfia corrupta .
Os comunistas chineses combinam liberalização econômica com uma feroz ditadura (responsável, por exemplo, pelo massacre de 2 mil estudantes na Praça da Paz Celestial, em junho de 1989). Em Cuba, comunista é o regime encarnado por Fidel Castro, líder da revolução de 1959 e ditador desde aquela época. Neste caso, especificamente, o termo tem uma forte conotação antiamericana, já que Washington elegeu Castro para o posto de Demônio-Chefe, ao lado dos islâmicos Sadam Hussein, Muamar Gadafi e o já falecido aiatolá Khomeini.
Na Itália, os comunistas têm chance de ganhar o poder nas próximas eleições gerais, embora com outro nome (Partido Democrata de Esquerda). Caso isso aconteça, eles oferecerão um curioso contraponto aos processos verificados recentemente na Espanha e na França, que tiraram do poder os socialistas e deram a vitória à direita mais conservadora (representada, respectivamente, por José Aznar e Jacques Chirac).
Se em cada um desses casos a palavra comunista tem significado distinto, em nenhum ela se identifica com sua origem, estabelecida por Karl Marx no Manifesto Comunista de1848.
À época, comunismo designava um movimento organizado do proletariado, cujo objetivo era promover a revolução à escala mundial e implantar um novo sistema -mais justo e solidário- em substituição ao capitalismo. Comunismo, hoje, não guarda semelhança sequer com a concepção leninista, anunciada no início deste século, segundo a qual um partido fortemente centralizado (o‘‘partido de quadros’’) conduziria a humanidade ao paraíso do igualitarismo. Tudo isso acabou.
O que há, então, nesse nome, que ainda causa tanto impacto? Talvez seja o fato de que sobrevivem os problemas que provocaram o surgimento do comunismo. A pobreza e a desigualdade nunca foram resolvidas -ao contrário, tendem a aumentar. A ‘‘doença’’ foi mais forte que a suposta ‘‘cura’’.
Na comovente história dos jovens de Verona, a rosa poderia mudar o nome, mas manteria o seu perfume. Em nossa história, o comunismo fracassou como sistema, e até serve de rótulo a regimes corruptos e partidos oportunistas. Mas, independente do uso que dele se faça, o nome remete a uma utopia, a uma espécie de perfume característico do espírito: o da rebeldia contra as injustiças (haverá sentimento mais humano?).
Não importa, nesse sentido, a intenção dos políticos quando eles falam em ‘‘trazer de volta a URSS’’. Não é da demagogia que a moção extrai sua força, mas de algo muito mais importante e profundo. Desse algo que encontra ressonância na alma e que, ao fazê-lo, atribui ao nome o seu poder.
Boletim Mundo Ano 4 n° 2
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