Na China, ditadura mistura Marx e Confúcio
Eleições em Taiwan provocam reação militar de Pequim, mas política de “um país e dois sistemas” é reafirmada
Newton Carlos
A diáspora chinesa perderá parte substancial e bilionária com a incorporação de Hong Kong ao território mãe, a 1º de julho de 1997. Depois será a vez de Macau, colônia portuguesa ao lado.
E Taiwan, “província rebelada”, segundo o jargão oficial da China? As turbulências no estreito entre o continente e a ilha, com disparos de foguetes que poderiam resultar em acidentes de difícil controle, acabaram fortalecendo a idéia de que o estatuto atual ainda vai prevalecer por muito tempo, tendo em vista interesses mútuos capazes, como foi visto, de navegar com segurança em águas encrespadas.
O Time, de Londres, chegou a prever desembarque de tropas chinesas em alguma ilhota despovoada de Taiwan, como forma de “acentuar” a disposição de agir militarmente, mas nem isso aconteceu.
Taiwan tem capitais e a China tem mão de obra, conjunção ideal numa Ásia com ambições de tornar-se o motor econômico do universo no terceiro milênio. A ilha, reconhecida como um dos “Tigres Asiáticos”, mas sem identidade política própria, tem 25 bilhões de dólares investidos nas Zonas Econômicas Especiais do continente, estrelas do milagre chinês. Especialistas dizem que a China pode se tornar uma mega-Cingapura nos próximos quinze anos, se os seus índices de crescimento se mantiverem.
A comparação com Cingapura, cidade- Estado quase totalmente computadorizada, sob a guarda de regime autoritário que continua a aplicar castigos corporais, agrada a Pequim, esperançosa de que o fenômeno asiático se submeta aos ensinamentos de Confúcio. Embora no passado comunismo e confucionismo tenham se estranhado, agora se tornam mais do que convenientes valores como o sacrifício da liberdade em troca do bem-estar, o conformismo e a obediência hierárquica.
Cingapura se enquadra nisso, com seus computadores e chicotes, mas não Hong Kong e Taiwan, e essa é a espinha cravada no regime comunista chinês, razão maior da crise recente no estreito de Formosa.
Com as primeiras eleições diretas para presidente, realizadas em março, Taiwan assume, bem ou mal, padrões de democracia aceitáveis pelo Ocidente, enquanto no continente prossegue a repressão feroz a dissidentes. Aumentam as pressões da Europa e Estados Unidos na questão dos direitos humanos e a Anistia Internacional lançou campanha mundial de denúncia da China, onde existem oficialmente 2.678 presos acusados de “crimes contra-revolucionários”. Foram 1.147 execuções no primeiro semestre de 1995, três vezes mais do que no resto do mundo. A “abertura” em Taiwan tem muito a ver com cobranças redobradas aos chineses.
Também Hong Kong é parte da espinha. O atual governador inglês, Chris Patten, talvez o último da era colonial, procura deixar um legado de reformas democráticas bastante modestas, já que ele continua a ser a instância final das decisões.
Para a China, no entanto, elas são espantalho.
Nas eleições de setembro do ano passado para o Conselho Legislativo de Hong Kong, o Partido Democrático, do advogado Martim Lee, ganhou 12 das 15 cadeiras em disputa, com 72% dos votos. O partido pró-China ficou com duas. “As eleições mostraram que o povo de Hong Kong quer uma democracia verdadeira”, proclamou o vitorioso Lee, acusado pelos chineses de “traidor” e “sedicioso”.
Há o compromisso, por parte de Pequim, de manter o “modo de vida” de Hong Kong pelo menos durante 50 anos.
Seria a política de “um país e dois sistemas”, confirmada agora em março pelo Partido Comunista. Mas já se fala que “desonras do passado precisam ser expurgadas”, sem que se saiba muito bem o que isso significa.
Para contrabalançar as dificuldades políticas, o regime comunista trata de se aproximar da bilionária comunidade dos negócios de Hong Kong. “Estamos interessados em negócios e não em política, Hong Kong é uma sociedade econômica”, disse um dos 12 bilionários que em dezembro cruzaram a fronteira para encontrar-se com Jiang Zemin, o manda-chuva chinês. Confucionismo na versão cingapurense, do agrado da China.
Ventos da diáspora acabariam colocando a China no caminho de uma “quinta modernização”, como pede o dissidente histórico Wei Jingsheng ? O Partido decidiu abrir a China para o mundo exterior visando a “quatro modernizações”: na agricultura, indústria, ciência e tecnologia e defesa nacional. A quinta seria a democracia, sem a qual “tudo o mais falhará”, segundo Wei. “Trata-se de um político romântico”, reage Xiao Gongqin, da Universidade de Xangai. Intitulando-se um realista “neoautoritário”, Gongqin argumenta que a China, em transição política e econômica, “precisa de mãos duras para evitar o caos”. Contra a democracia, pesam na China a tradição confuciana, espertamente reeditada, massas rurais quase em estado primitivo, classe média fraca, cultura política moldada em regras imperiais.
Maerle Goldman, professor da Universidade de Boston, escreve que “nas tradições chinesas não existem aspectos que possam promover a democracia”. A diáspora, portanto, é que estaria saindo dos trilhos.
A diáspora chinesa na Ásia oriental e meridional compreende mais de 50 milhões de habitantes. Em Taiwan e Hong Kong - as “Chinas exteriores” - eles são quase a totalidade da população. Em Cingapura, formam uma clara maioria, mas também representam minorias numerosas na Malásia e Tailândia. Porém, o que impressiona é a sua participação nas economias locais. A abertura econômica da China Popular possibilita a conexão dos impérios empresariais da diáspora chinesa com o continente, dinamizando os negócios em toda a macro-área da Ásia-Pacífico.
Boletim Mundo Ano 4 n° 2
Boletim Mundo Ano 4 n° 2
Nenhum comentário:
Postar um comentário