Conferência Intergovernamental dos 15 membros da UE, instalada em março, em Turim, assinala enfraquecimento do eixo franco-alemão e enfrenta a resistência britânica
O desafio do novo século começa a ser enfrentado pela União Européia. A 29 de março, os ministros do exterior dos quinze Estados da UE instalaram em Turim, Itália, a Conferência Intergovernamental destinada a rever o Tratado de Maastricht. Prevista para durar nada menos que dezoito meses, a reunião deve encarar os dois problemas permanentes da construção européia: a ampliação geográfica do bloco supranacional e o aprofundamento da integração.
O sonho europeu nasceu em 1952, com a criação da Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), e consolidou-se com o Tratado de Roma, de 1957, que estabeleceu a Comunidade Econômica Européia (CEE). De lá para cá, os seis Estados pioneiros transformaram-se em quinze, e cada uma das sucessivas ampliações geográficas colocou novos desafios. O ingresso da Áustria, Suécia e Finlândia, em 1995, assinalou o desaparecimento dos neutralismos impostos pela guerra fria e pela “cortina de ferro”. A integração aprofundou-se em 1992, com a supressão da maior parte das barreiras remanescentes à circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas e a instalação do Mercado Único. Na mesma época, o Tratado de Maastricht substituiu o de Roma como documento constitutivo da comunidade, que passou a se chamar União Européia.
Em Maastricht, foram desenhadas as novas e ambiciosas metas, da união monetária e das políticas externa e de defesa comuns, a serem alcançadas até o final do século. Em Turim, as metas voltam à mesa de negociação, junto com as candidaturas à integração de Estados do leste e do Mediterrâneo.
O comboio europeu foi movido, desde a CECA, pelo motor franco-alemão.
O eixo Paris-Bonn, que só não funcionou no período gaullista, propulsionou cada um dos grandes passos da construção comunitária.
Agora, porém, ele começa a falhar.
Na França, o governo de Jacques Chirac, herdeiro da tradição nacionalista do general De Gaulle, enfrenta o espectro do desemprego e da instabilidade social. Figuras políticas destacadas começam a defender uma inversão das prioridades, com a transferência da ênfase no equilíbrio das contas públicas e no combate à inflação para o crescimento econômico e a proteção dos empregos nacionais. No governo e na oposição, levantam-se vozes pedindo o relaxamento dos rígidos critérios estabelecidos em Maastricht para a entrada em vigor da moeda única ou o adiamento dos prazos.
A classe política teme uma nova onda de greves generalizadas, como a que eclodiu em dezembro passado.
Por outro lado, a Alemanha de Helmut Kohl continua a defender o cronograma de Maastricht, apesar da profunda crise que afeta a sua economia. Como o relaxamento de critérios é rejeitado pelo Bundesbank (o poderoso e autônomo Banco Central), resta ao chanceler enveredar pelo complicado caminho da “Europa em velocidades variadas”, que possibilitaria a adesão de um núcleo de meia dúzia de países à união monetária no prazo previsto, enquanto os demais prosseguiriam correndo atrás dos “critérios de Maastricht”. Na mesma linha europeísta, os alemães favorecem a rápida incorporação pelo menos de alguns candidatos do leste e do Mediterrâneo . É claro que a ampliação numérica dos Estados da UE viria acompanhada pelo fortalecimento das instituições européias, como o Parlamento de Estrasburgo, e pelo fim do direito de veto nacional, que hoje permite bloquear qualquer decisão mais séria.
Nos anos 60, Charles De Gaulle pisou fundo no freio do comboio europeu.
Refletindo o nacionalismo francês, o general opunha-se ao aumento dos poderes da Comunidade e reclamava o respeito à soberania dos Estados nacionais. A “Europa das Pátrias” gaullista deveria se estender “do Atlântico aos Urais”, ignorando a própria realidade geopolítica da “cortina de ferro”, mas não poderia em nenhuma hipótese colocar em discussão os poderes dos Estados. Ironicamente, esta é hoje, em um ambiente mundial muito diferente, mais ou menos a posição britânica: “sim” à ampliação geográfica, “não” ao aprofundamento da integração.
Londres, que exigiu uma cláusula de exceção em Maastricht, desobrigando-se de adotar a futura moeda única, também não quer ouvir falar de política externa comum e sequer considera a proposta francesa de nomeação de uma figura de grande projeção para coordenar as posições européias diante do mundo. John Major, acossado pelos “eurocéticos” de seu partido, defende a rápida inclusão de novos Estados, mas dirá “não” a todas as propostas de aumento dos poderes das instituições européias e se apegará com fidelidade canina ao sacrossanto direito de veto. Londres não acredita em nada que se pareça com uma “Europa federal”, embora se delicie com a idéia limitada de um mercado comum tão vasto quanto possível.
A Comunidade Européia foi um fruto da guerra fria. O temor inspirado pela União Soviética soldou os destinos da França e da Alemanha Ocidental, e chegou a arrastar para a Europa o desconfiado submarino britânico. A Conferência de Turim reúne os Estados de uma outra Europa, que não precisam deixar de lado os interesses nacionais em nome do perigo comum. A missão dos quinze governos é provar que a integração não depende da Guerra Fria.
Não é nada fácil.
Boletim Mundo Ano 4 n° 2
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