quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Cubanos ofereceram tropas para guerrilha brasileira em 1973

Revelação inédita está em livro que será lançado por Carlos Eugênio, ex-comandante do grupo ALN.
O alagoano Carlos Eugênio Sarmento da Paz tinha 15 anos  ainda não havia terminado o 1º grau  quando decidiu trocar os livros por um fuzil.
O ano era 1966 e o Brasil vivia sob regime militar. Boa parte da esquerda, principalmente os mais jovens, estava desgostosa com o velho Partido Comunista Brasileiro, que defendera a luta política pacífica e foi apanhado de surpresa pelo golpe militar de 1964.
Carlos Eugênio se tornaria, nos anos seguintes, ativista da Ação Libertadora Nacional (ALN), criada pelo ex –deputado comunista Carlos Marighella, e que foi o principal grupo a lançar-se à guerrilha urbana no Brasil. Comandante militar da ALN, Carlos Eugênio teve de exilar-se em Cuba, em 1973, e depois na França. Hoje, trinta anos depois da morte de Ernesto Che Guevara, Carlos Eugênio, aos 47 anos, é músico e professor de violão. Toca jazz e bossa-nova nos bares de hotéis da orla marítima do Rio de Janeiro. Ele falou  pouco antes de lançar seu segundo livro, Nas trilhas da ALN, onde narra a experiência de dez meses em Cuba.
 Quais as principais revelações que você faz no livro ?
Carlos Eugênio - Talvez a mais importante tenha a ver com uma reunião que mantive em 1973 com o então comandante militar de Havana, o general Armando Ochoa. A guerrilha urbana enfrentava sérios problemas no Brasil e ele propôs enviar para cá cem soldados cubanos, com equipamento e armas. Ele mesmo viria com o grupo, que se colocaria sob meu comando.
A entrada aconteceria pela Amazônia e aí seria montado um foco guerrilheiro, com o objetivo de obter apoio dos camponeses para a luta contra o regime militar.
 Você aceitou ?
Carlos Eugênio - Não. Àquela altura eu já achava que a guerrilha não daria certo. Também levava muito a sério as instruções de Marighella, que apoiava o regime comunista cubano mas mantinha a qualquer custo a autonomia política da ALN.
 Quem era o general Ochoa?
Carlos Eugênio - Era um personagem lendário. Um camponês analfabeto que foi recrutado pela coluna guerrilheira de Che Guevara, antes da vitória da Revolução Cubana, em 1959. Quando exilados de direita invadiram a Baía dos Porcos, em 1961, tentando retomar o poder com o apoio dos Estados Unidos, Ochoa agarrou uma metralhadora ponto 50, que normalmente é operada por três homens.
Sozinho, avançou contra os invasores.
Ele também liderou um grupo de soldados cubanos, que foi à Venezuela apoiar um movimento guerrilheiro liderado por Douglas Bravo, na metade dos anos 60. Em 1989, Ochoa foi fuzilado a mando de Fidel Castro. A acusação oficial era de que ele comandava o tráfico de drogas na ilha.
 Qual a sua avaliação sobre o regime comunista cubano ?
Carlos Eugênio - Fiquei pouco tempo por lá, uns dez meses. E quase não tive contato com a população. Mas já sentia a formação de uma casta dominante, ligada ao Partido Comunista.
Nos cursos de guerrilha de que participávamos, por exemplo, os instrutores usavam relógios japoneses, jeans e sapatos importados que não estavam ao alcance da maioria da população.
 No Brasil, você matou alguém ?
Carlos Eugênio - Participei de ações que levaram à morte de um policial militar e de um guarda de banco, em São Paulo. Também assumo a responsabilidade pelas decisões que levaram à execução de um companheiro da ALN e do empresário Heinning Boilesen. Esse aí arrecadava dinheiro para presentear os policiais torturadores que nos perseguiam. O regime, aliás, havia decidido pela eliminação física da ALN. Quando um de nossos companheiros era preso, todos, do comandante da ação até o mais humilde carcereiro, recebiam parte do dinheiro arrumado por esses empresários anticomunistas.
 Você nunca foi preso.Mas teve algum contato com o delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais conhecidos torturadores da época ?
Carlos Eugênio - Um dia, eu compareci a um ponto [local de contato clandestino entre militantes da esquerda], para um encontro com o cabo Anselmo, líder de outro grupo guerrilheiro, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Só que o Anselmo havia começado a colaborar com a polícia.
O lugar estava todo cercado. Eu e alguns companheiros conseguimos romper o cerco a bala. Tenho certeza de que um de meus tiros passou raspando pelo nariz de Fleury.
 Você se arrepende de ter aderido à luta armada ?
Carlos Eugênio - Acho que nossa análise era incorreta, quanto às possibilidades de implantação da guerrilha no Brasil. Mas não me arrependo de nada. Não perdi anos da minha vida e sim ganhei uma enorme experiência.
Vocês podem não acreditar, mas muitos de nosso  companheiros caíam felizes, porque imaginavam estar morrendo por uma causa justa.
Boletim Mundo Ano 4 n° 6

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