quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Nos EUA, “fundamentalismo” republicano ajuda campanha de Clinton

Newton Carlos
Movimentos pendulares podem voltar a favorecer o Partido Democrata, nos Estados Unidos, ainda amargando o desastre nas eleições parlamentares de 1994, quando os republicanos se impuseram na Câmara dos Deputados e Senado. Quem diz isso é o jornalista E. J. Dionne Jr., do Washington Post, em novo livro intitulado They only looked dead (“Eles simplesmente pareciam mortos”). Dionne dá as razões pelas quais, segundo ele, os “progressistas” -os que pareciam acabados- vão dominar a próxima era política americana. Garante que, se os eleitores não querem mais saber de “liberalismo selvagem”, desejam pelo menos um setor público em condições de velar pelo meio ambiente, estimular a economia e dar mais força aos trabalhadores no mundo da “empresa global”.
Depois da onda reaganiana (1980-88) e do assalto de uma nova direita com forte incidência num Partido Republicano com o controle do Congresso, seria reencontrado o equilíbrio num centro com boa dose de “progressismo” em confronto com o conservadorismo, sobretudo religioso, nada disposto a entregar os pontos. A Campaigns & Elections, especializada em marketing político, constatou que a “Christian Coalition” já dominava, em 1995, o aparato do Partido Republicano em 18 estados e exercia influência “considerável” em mais 13. Um milhão e 600 mil ativistas prontos para bater de porta em porta e capazes de esgotar catálogos telefônicos, além de 60 mil igrejas filiadas.
Pat Buchanan, com uma retórica “virtualmente indistinguível” do nacional socialismo de Hitler, personificou nas primárias do Partido Republicano o crescimento dessa onda, na qual se misturam racismo, caça a gays e a imigrantes, anti abortismo, isolacionismo e retórica anti-“corporation”, contrária aos “ideais republicanos”. Foi preciso montar um “stop Buchanan”. Depois de perder em New Hampshire, Delaware e Arizona, a candidatura do senador Bob Dole, favorito dos republicanos, foi salva pelos 24 governadores de Estado do partido, Wall Street e corporações doadoras de recursos de campanha, temerosos de um populismo de ultra direita capaz de mobilizar convicções de que a “nova ordem mundial” mata empregos nos Estados Unidos e empobrece os  americanos .
Estados sulistas, de tradição racista, têm se beneficiado de investimentos estrangeiros.
Na Carolina do Sul já trabalham 120 mil empresas de fora. Com suas “heresias protecionistas”, Buchanan poderia provocar o caos nos mercados financeiros.
Com ele na Casa Branca, os Estados Unidos sairiam do Nafta, da Organização Mundial do Comércio e da ONU, “reveriam” sua adesão ao Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional e seriam impostas alíquotas de 10% para produtos japoneses e de 50% para produtos chineses. Mas Dole, mesmo vitorioso contra o espantalho Buchanan, ainda terá de se compor com uma direita religiosa disposta a influir na redação da plataforma partidária e escolha do vice.
Essa composição não será nada fácil,e não apenas devido à intolerância da direita e em igrejas militantes. Quando Clinton fez da mensagem anual do presidente ao Congresso o início de sua campanha eleitoral, o senador Dole, na condição de líder da oposição, candidato a candidato na época ainda acossado por Buchanan, respondeu com um discurso “amargamente direitista”, como escreveu um jornalista.
Disse que “nosso governo, nossas instituições e nossa cultura foram seqüestrados pelos liberais”. Chamou Clinton de “guarda do Estado de bem-estar social, o último defensor do status-quo desacreditado”.
Queda nas intenções de voto foi a conseqüência imediata.
Nenhuma pesquisa, no momento, dá chances de vitória a Dole, e isso contribui para torná-lo vulnerável. A nova geração de parlamentares republicanos questiona a sua idade, 72. Estaria com Clinton a tarefa de administrar o novo equilíbrio centrista anunciado por Dionne. Tarefa complicada e  Clinton sabe disso, tanto que no discurso ao Congresso tratou de embutir um bom quinhão conservador, numa mistura de Reagan, Johnson (defesa dos direitos civis etc.) e McGovern. Falou do fim do “big government”, no mais puro jargão reaganiano, e desafiou Hollywood a fazer filmes que “nossos filhos e netos tenham orgulho de ver”. Slogans pesados de lei e ordem. Os 10% de McGovern, o grande liberal dos anos 70, introduzidos no discurso, foram a observação de que não se deve pensar em equilíbrio orçamentário com o sacrifício dos pobres.
Há ainda o imponderável: a possível candidatura alternativa, como independente, do milionário texano Ross Perot, que em 1992 teve quase 20% dos votos. Com Buchanan fora, Perot poderia herdar politicamente os ressentimentos da classe média, o desespero dos desempregados e o mal  estar de empresários atingidos pela concorrência internacional. Clinton também enfrenta complicações em sua imagem de “pacificador”,um dos trunfos eleitorais. Há problemas na Bósnia, Oriente Médio, Irlanda do Norte. Na Rússia, Boris Yeltsin pode perder as eleições de junho. Muita água ainda vai rolar.
Boletim Mundo Ano 4 n° 3

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